A pandemia serviu como uma espécie de lente de aumento para os efeitos do machismo, agora é possível enxergar com destaque os efeitos deste modelo de “ser homem”. Na saúde, por exemplo, os números mostram com clareza como ainda somos menos cuidadosos.
Dos casos de coronavírus confirmados, 56,13% são homens e 43,87% são mulheres. Das mortes causadas por coronavírus, 56,12% são homens e 43,88% são mulheres. Das vacinas (pelo menos 1 dose) 41,55% são homens e 58,45% são mulheres.
Durante a pandemia, homens acima dos 40 anos deixaram de fazer alguma consulta ou tratamento médico. Com a pandemia em curso, esse grupo teve um impacto negativo na saúde.
Ler esses números automaticamente me lembrou de uma aula que tive durante a graduação, na qual discutimos um artigo que analisava a dificuldade de convencer trabalhadores de uma indústria a usarem os equipamentos de proteção individual - EPI. A lógica, simplificada, era que ao usar os EPI’s, os trabalhadores necessariamente estariam admitindo, consciente ou inconscientemente, que havia um risco envolvido na sua atividade. Não usar os equipamentos era, portanto, uma forma de negar esses perigos e de negar o medo de se machucar e de morrer, duas coisas que todo “homem” que se preze não pode sentir. Nem preciso dizer que a aderência aos EPI´s era muito mais baixa entre os homens do que as mulheres, né?
Penso que esses números nos ajudam a reforçar algo que nós e muitas outras pessoas já afirmam:
os homens também são vítimas do machismo. Por perseguirem esse ideal de masculinidade sem criticidade, muitos acabam reproduzindo comportamentos que fazem mal a eles próprios também. Ou seja, na lógica machista ninguém ganha efetivamente. Os homens podem até ter a sensação de estarem ganhando alguma coisa, mas no fundo, no fundo, estão perdendo.
É que nem no filme (spoiler alert) A Favorita, onde todos acham que a personagem de Emma Stone está se dando bem quando, na verdade, ela está cada vez mais aprisionada. O ideal de homem nos limita e nos tira a possibilidade de uma vida mais livre, com mais possibilidades de expressões e como consequência, adoecemos e sofremos. O documentário The Mask you Live in mostra bem a relação do machismo com o sofrimento masculino.
Bom, acho que é isso. Não sei se você estava esperando algum tipo de conclusão com final feliz ou uma lista de 7 passos para resolver esse problema, porque eu realmente não tenho nenhuma dessas coisas para oferecer. Acho que o final dessa lógica patriarcal ainda está longe, as mudanças serão lentas e não consigo elaborar nenhuma fórmula replicável para lidar com os efeitos do machismo.
Fiquem bem e cuidem-se, pois o vírus segue aí fora.
*Imagem da capa retirada do artigo "Political Manhood: Weaponizing Masculinity During the Covid-19 Pandemic".