No dia 11 de janeiro de 2023 comemorei 10 anos desde a minha graduação em Psicologia, o que gerou uma ótima oportunidade reflexiva sobre o percurso, os lugares, os contextos e principalmente as pessoas que tanto me ensinam a me fazer gente. Sempre acreditei na psicologia viva, pulsante e em transformação, e que melhor lugar para repensar esse conhecimento do que o chão das escolas?!
Faço parte do Programa ExploreCarlotas desde 2016, como coordenadora desde 2019 e não paro de aprender sobre a potência das relações humanas nos espaços educacionais. Tentei organizar algumas descobertas para deixar de lembrança em tempos futuros. Compartilho aqui alguns aprendizados e reflexões nessa tentativa de dar nome para o que é tão intangível em mim.
1 – Tem muita gente incrível nessa área
Só em 2022 o nosso Programa circulou em mais de 40 escolas na rede pública de São Paulo e Osasco, além de algumas unidades femininas da Fundação CASA. Não canso de encontrar pessoas absolutamente comprometidas com a sua missão de garantir que crianças e jovens recebam o que elas (educadoras) têm de melhor a oferecer. Na sua maioria mulheres, que dedicam décadas da sua vida para pensar e fazer dos espaços educativos lugares inclusivos, humanizados, respeitosos e muito férteis para o desenvolvimento humano.
Toda vez que entramos em uma nova escola, fico com um grande frio na barriga. Quem e como vão nos receber? O que será que significa para cada um(a) dos(as) educadores(as) receber um programa de desenvolvimento de competências socioemocionais em sua escola? Alívio? Curiosidade? Irritação? “Que pretensão dessa gente!”…Desconfiança? Abertura? Sarcasmo? Acolhimento? Em 6 anos de novas “chegadas”, já recebemos tudo isso. Mas o mais lindo e forte desse processo não são as chegadas, são as construções. Quando uma possibilidade de rede de apoio se cria, e os(as) educadores(as) nos honram com sua confiança, um mundo se abre. E essa minha descoberta sobre a genialidade desses seres humanos que sustentam as escolas DIARIAMENTE nunca fica obsoleta.
2 – Educar é um dos trabalhos mais complexos do mundo e não é pra todo mundo
Eu desconheço trabalho tão profundo, complexo e estruturante como a educação. Ao longo dessa jornada no contexto público, tive conhecimento de inúmeros desafios que rompem as portas e janelas das escolas todos os dias. Os desafios sociais de cada comunidade viram os desafios da unidade escolar. Não se faz educação sem se envolver com a história e a vida das pessoas que compõem a comunidade escolar. A escola é muitas vezes o pilar, o refúgio, o caminho de saúde de indivíduos que por ela passam todos os dias.
Guiar, cuidar, facilitar, orientar, acolher, conduzir…alguns verbos bem mais adequados do que outros, mas nada disso traduz a responsabilidade dos(as) profissionais que acompanham seres humanos em pleno auge do desenvolvimento. Toda palavra, olhar, gesto, toque atravessa a vivência daqueles que estão ali, dia após dia se descobrindo e aprendendo. Nesse sentido, as conversas mais profundas e honestas que já tivemos no chão da escola passaram por um(a) educador(a) tendo coragem de se vulnerabilizar e compartilhar alguns limites do seu fazer. As conversas mais doloridas que já presenciei nesses cenários tinham a ver com a dor de lidar com a nossa impotência diante de um desafio, diante de injustiça ou da dor dos seus estudantes. “Eu não acredito que eu não posso fazer mais por ele…”; “Eu não sei como ajudar!”; “Não é possível que isso esteja acontecendo de novo!”. Enquanto isso, o choro rola solto.
E é por tudo isso que eu descobri que educação não é para todo mundo. Enquanto alguns afirmam que “nasceram professores”, outros contam as horas para aposentadoria. Alguns não suportam mais a rotina esmagadora de ter que fazer muito com tão pouco. Ao mesmo tempo, alguns operam verdadeiros milagres e se indignam com a inação de alguns colegas. O que todos(as) eles(as) me ensinam é que mesmo que a educação lhes tenha feito muito sentido em algum momento da trajetória, talvez não siga sendo um caminho possível para a saúde diária de algumas pessoas. E tudo bem.
3. Ninguém salva ninguém
Por mais que as nossas motivações sejam as mais nobres, é inevitável não tropeçar na arrogância em algum momento do percurso. Mesmo com as melhores intenções, muitas vezes corremos o risco de atropelar a vivência e a experiência de outro indivíduo na expectativa de “salvá-lo”. Sou tão grata a diversas mestras que passaram pela minha formação profissional e trouxeram esse tema à tona já nas primeiras supervisões clínicas. Mas caramba! Se não nos vigiarmos, o cenário é muito convidativo para o exercício da prepotência. É uma desconstrução diária. Respeitar o espaço, a história, os desejos, as escolhas e as limitações do outro ser humano enquanto topamos caminhar lado a lado é um exercício “horário”.
Estudamos e buscamos praticar empatia em todas as ações de Carlotas, pois é um tema central da nossa missão. Tenho muita clareza de que foram as experiências dentro da escola e da Fundação CASA que me ofertaram as maiores oportunidades de desenvolvimento dessa competência em minha vida. Nosso maior potencial de fazer algo por outra pessoa repousa na chance dela permitir que a gente caminhe junto. Qualquer coisa diferente disso esbarra no jogo de poder e controle, o que descobri que pode ser muito nocivo para as nossas relações.
4. A rede de apoio e a conexão entre as pessoas muda tudo
Sempre achei as relações humanas um dos fatores mais curiosos e interessantes da nossa existência. O que nos aproxima, nos distancia, nos mistura e nos desconecta? Coexistir no espaço coletivo com outras pessoas é natural para a maioria de nós, ainda assim, a diversidade que nos atravessa nunca poderá ser desvendada a ponto de termos uma receita para “nos darmos bem” com todo mundo. É humanamente inviável. Ainda assim, algumas pessoas e alguns grupos parecem ter conseguido avançar muito mais do que outros nesse aspecto. Uma das coisas que mais me encanta em algumas instituições com as quais temos a chance de atuar, é perceber a qualidade das relações. Definitivamente eu definiria com arte. Saber se relacionar é realmente uma arte. E quando algumas camadas são desvendadas em um grupo e as relações passam a funcionar “bem”, os efeitos são impressionantes.
Se alguém me perguntasse qual é o fator que eu percebo em comum nas escolas mais saudáveis e de melhor desempenho, sem sombra de dúvida eu diria que são as relações, a maneira como as pessoas se tratam. Como eu disse anteriormente, não há escola pública que não sinta os impactos dos desafios do contexto, mas algumas conseguiram construir uma rede de apoio e de colaboração tão forte, que não sucumbem frente aos conflitos, e isso é muito poderoso. Percebo essa fortaleza gerando mudanças não só na qualidade do trabalho desenvolvido, mas nas vidas de todas as pessoas que passam diariamente por ali.
Com certeza perdi muita informação neste breve resumo, mas achei importante abrir algumas inquietações e descobertas que têm me acompanhado. Sou muito grata a todas as pessoas que nos permitem caminhar lado a lado, que confiam em mudanças positivas, que estão dispostas a fazer parte desse processo de construção. E se você quiser compartilhar as descobertas que te fazem seguir caminhando, será um prazer receber sua mensagem. Que em 2023 a gente siga encontrando o novo e nos conectando no percurso.