Desde que li o livro “O Palhaço e o Psicanalista”, de Christian Dunker e Cláudio Thebas, tenho prestado mais atenção nesse desafiador exercício da escuta.
Escutar o outro não é apenas para palhaços e psicanalistas, é para engenheiros, publicitários, cozinheiros, professores e toda e qualquer profissão do planeta. Aliás, para todo ser humano do planeta.
O exercício da escuta no nosso dia-a-dia é essencial. Nos esforçamos tanto para sermos bons profissionais e esquecemos a nossa influência no nosso pequeno círculo – família, vizinhança, amigos.
Ouvir está além do que é dito. Ouvir passa por observar os sinais e, principalmente, o que não é dito. É exaustivo, às vezes. Requer dedicação, paciência e cuidado. Porque a comunicação é uma das coisas mais complicadas que inventamos. Através dela, interagimos sem dizer o que realmente pensamos, deixamos o outro assumir coisas que gostaríamos de dizer e, querendo não magoar, magoamos. Isso faz da escuta esse exercício quase mágico de decifrar nas palavras o tom e a intenção e no silêncio as ideias e pedidos.
Com a escuta, atenta e genuína, é possível ver o invisível. Aquilo que está atrás da fala, escondida no olhar, no gesto, na hesitação.
“… a escuta envolve um contrato, cuja cláusula primeira é o acolhimento.” (O palhaço e o Psicanalista)
Mas ser ouvido é ainda mais mágico. Você passa a existir. Alguém considerou uma pequena informação sua para interagir, para tomar uma decisão ou simplesmente, estar ali. Ser ouvido é um abraço que te reabastece para continuar.
Não é a toa que a escuta é um dos pontos-chave da empatia. Mas talvez você concorde com isso pela razão errada. A escuta genuína – escuta empática, escuta ativa, seja lá o nome que queira dar – só existe se começar com um olhar atento para nós mesmos. Colocar-se nesse lugar vulnerável de receptor, de curioso, de ignorante sobre o outro é o ponto de partida para a escuta e para a empatia. Sem isso, será uma escuta parcial, crítica ou interesseira.
“Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma” – Alberto Caieiro
O outro ponto que torna a escuta a ponte para a empatia é a conexão. Existir – sentir que o outro me vê e me considera – cria um ponte entre as pessoas. Sem considerar o outro não há empatia. E sem considerar o outro, não há escuta. Mais que entender o ponto de vista do outro, a escuta existe para acolher e criar a conexão e esse é o real elo com a empatia.
Termino lembrando um trecho do lindo texto do mestre Rubem Alves, “Escutatória” :
“Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto. Ouçamos os clamores dos famintos e dos despossuídos de humanidade que teimamos a não ver, nem ouvir. É tempo de renovar, se mais não fosse, a nós mesmos e assim nos tornarmos seres humanos melhores, para o bem de cada um de nós. É chegado o momento, não temos mais o que esperar. Ouçamos o humano que habita em cada um de nós e clama pela nossa humanidade, pela nossa solidariedade, que teima em nos falar e nos fazer ver o outro que dá sentido e é a razão do nosso existir, sem o qual não somos e jamais seremos humanos na expressão da palavra.”
* Ilustração da capa por Liuna Virardi.