Sempre fui apaixonada e muito curiosa pelo tema “educação de filhos”. Quando estava prestes a começar a atender crianças em psicoterapia em meu consultório, imaginei que a curiosidade fosse ser alimentada pela obviedade da repetição dos problemas e que de alguma forma eu compreenderia de vez como as famílias funcionam. Ao invés disso, fiquei impressionada e muito surpreendida com a variedade dos conflitos, com a particularidade de cada história e cada lar. Cada criança trazia uma narrativa inédita do que é viver em nossa sociedade, e me mostrava uma lente renovada para problemas sociais antigos.
Depois de 3 anos no consultório, aprendi que definitivamente as famílias são muito únicas, mas existe sim uma série de comportamentos e estratégias educacionais que se repetem em nossa cultura. Esses padrões nos acompanham há muitas gerações e podem ou não serem eficientes e positivos. A verdade é que são parte de nós e na maioria das vezes os reproduzimos sem consciência. Quem já fez terapia sabe que é MUITO comum nos percebermos reproduzindo comportamentos que abominávamos em nossos pais, ou tios ou avós… no entanto é quase inevitável.
Depois de muita pesquisa sobre transformação e desenvolvimento pessoal, percebo que o primeiro passo para a mudança é saber que existem outros caminhos e que a repetição não precisa ser lei.
Nesse sentindo, mesmo longe do consultório (mas não das crianças), continuo na busca por referências educacionais diferentes, novas e quem sabe algumas que gerem resultados sociais mais positivos e saudáveis. Foi assim que cheguei no livro “Crianças Dinamarquesas” (2014, Ed. Fontanar) e me encantei. As autoras Jessica Joelle Alexander, escritora americana casada com um dinamarquês, e Iben Dissing Sandahl, Coach, escritora e terapeuta familiar da Associação Dinamarquesa de Psicoterapia, nos emprestam um resumido diário de criação das famílias dinamarquesas de uma forma muito leve, clara e recheada de curiosidades.
O livro é uma tentativa – muito feliz em minha opinião – de desvendar como o povo mais feliz do mundo (vencedor do título desde 1973 de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) educa seus filhos para que se tornem pessoas confiantes, capazes, emocionalmente seguras e resilientes. Motivadas por questões pessoais (filhos pequenos) e profissionais, as autoras conseguiram resumir os valores da educação dinamarquesa em um livro curto, cheio de afeto e narrativas reais.
Cada capítulo traz um aspecto amplo da cultura dinamarquesa, e ao final, podemos encontrar algumas “dicas” para colocá-lo em práticas. Para explicar, as autoras criaram o acrônimo FILHOS, onde cada letra indica um aspecto que traduz os valores educacionais da população mais feliz do mundo. São eles:
“F de farra – Porque brincar livremente resulta em adultos mais felizes e flexíveis.
I de integridade – Porque a franqueza e a honestidade elevam a autoestima, de modo que o elogio pode ser usado para criar uma mentalidade evolutiva em vez de engessada, tornando seus filhos mais resilientes.
L de linguagem – Porque o reenquadramento do diálogo pode transformar sua vida e a dos seus filhos para melhor.
H de humanidade – Porque a compreensão, a adoção e o ensino da empatia são fundamentais para a formação de crianças e adultos mais felizes.
O de opressão zero – Porque criar filhos com uma abordagem mais democrática, sem disputas de poder, estimula a confiança e torna as crianças mais felizes.
S de socialização – Porque uma rede de relações sólida é um dos fatores mais importantes para a nossa felicidade, e a sensação de hygge (aconchego) pode ajudar a propiciar isso aos filhos.”
Não podemos ser ingênuos em pensar que é fácil (ou até mesmo possível) usar todas as dicas citadas por elas e aplicá-las a qualquer cultura em qualquer momento. No entanto, o livro traz uma reflexão muito instigante e nos apresenta algumas ferramentas para lidar com desafios bem conhecidos.
Fica meu convite a todos os pais, educadores, professores ou interessados em educação infantil para que desfrutem o livro com um olhar curioso, quase um olhar da criança. Assim como entre seres humanos, a troca de conhecimento entre duas culturas pode ser um presente que nos permite enxergar nossa realidade com novas lentes e descobrir novas possibilidades de intervenção. Espero que assim como foi para mim, que a leitura de “Crianças Dinamarquesas” lhe permita viajar sem precisar sair do sofá.