Não diferente da maioria dos homens negros nesse país, eu cresci sem pai, não que não tivesse um, sim eu tive, mas não com uma participação dele na minha criação. Nascido em uma família pobre e sem recursos, percebi desde pequeno que eu precisava de uma referência masculina. Mesmo ele ausente eu o procurava e ainda que não tendo condições de participar da minha vida, busquei nele suprir essa carência. Afinal era ele o meu pai e de alguma forma, consegui acessar seu amor.
Com os desafios (óbvios) ao longo dessa trajetória de homem negro, sem referência paterna, experienciando os perigos, a violência urbana, as dificuldades educacionais, os trabalhos braçais, as rejeições afetivas e a solidão, o meu maior receio e de uma grande maioria de homens negros é ser pai.
A paternidade para o homem negro é sem dúvida uma grande prova de coragem e existência nessa vida. O medo de imaginar ter filhos e filhas, passando pelas mesmas experiências e eu não conseguir ser forte o bastante novamente para desta vez testemunhar as aflições e dores que eles tendem a ter, faz com que homens fujam dessa responsabilidade em suas relações.
A consequência disso é que muitos acabam tendo essas experiências mesmo não estando prontos para esses desafios.
O medo da paternidade é real e embora saibamos que é inevitável ser negro no Brasil e viver ileso a todo esse contexto racial, existe o medo de não dar conta da criação, de não saber amar ou proporcionar amor em sua paternidade, pois a grande maioria não recebeu isso em sua infância.
No meu caso ter um filho, apesar dessas sombras, foi meu principal sonho desde criança. Naquela época, já queria fazer a diferença como pai, porém, o receio era mais forte. Foi quando eu conheci uma mulher que demonstrou força, maturidade e muito desejo de ter e criar um filho mesmo ciente que passar por esses contextos seriam inevitáveis. Ela foi o que faltava para não me sentir só nessa jornada caso falhasse no futuro.
Hoje sou pai de um menino de 12 anos, seu nome é Talib Amani e significa buscador da verdade e da paz.
Nome de origem Africana e que foi escolhido porque entendemos que para criar um filho negro e garantir que ele requeira seus direitos de cidadão, ele precisa antes de tudo conhecer a sua origem, os seus ancestrais e a verdadeira história da sua ancestralidade.
Só assim acreditamos que possamos dar força, sabedoria, informação, conhecimento e amor. Dessa forma também ele saberá dos perigos que corre nesse mundo por ser quem ele é, mas também terá orgulho de sua cor, de sua etnia, das suas heranças e da sua missão.
Missão esta que querendo ou não fará parte de sua vida e diz respeito à luta pela igualdade racial, para nós, para ele e para os teus.
E como, apesar de tantos receios, medos e sombras, é maravilhoso ser pai!
Como é honroso ser um homem negro pai de um menino negro que está crescendo, aprendendo a valorizar sua cultura, a valorizar sua educação reconhecendo o esforço extra que nós (pai e mãe) fazemos para garantir isso a ele. Como nos enche de orgulho a forma como ele fala com propriedade sobre importantes personagens negros pouco valorizados, como Chaguinhas.
É muito valioso observarmos o seu desenvolvimento e ver que estamos criando um cidadão de bem, um menino de masculinidade saudável, mas que ainda sim, como pai negro, preciso ensiná-lo que não se deve correr na rua, que não se deve encarar e nem reagir a abordagem policial e outras atitudes que possam marginalizá-lo.
Apesar de tudo isso, temos muito que comemorar, porque somos a terceira e quarta geração de negros que foram escravizados e lutaram para garantir nossa liberdade. A cada geração nos preparamos para sermos mais fortes, garantindo nossos direitos e honrando nossa ancestralidade.
Sou Jorge Oliveira que, junto com Stê Nazário, compartilho a responsabilidade de criar nosso maravilhoso filho, Talib Amani.
> Artigo postado originalmente em 10 de agosto de 2023 e repostado para o dia 09 de agosto de 2024.
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