Recentemente sofri um episódio de racismo na escola em que atuo. Situações como essa infelizmente não são exceção ou raridade. Refletir sobre, aprofundar os olhares e gerar movimento é o mínimo que precisa ser feito. A lógica de procurar os culpados para que sejam responsabilizados e respondam por seus atos é apenas uma parte do que precisa acontecer. Hoje movimento esse espaço de escrita também para falar sobre os perigos da omissão. Somos todos responsáveis por desconstruir o racismo diariamente. Escrevo para cobrar responsabilidade cidadã de cada pessoa presente no ambiente. Todos nós somos responsáveis. Quando você silencia diante da violência, você colabora com os violentos. Você coopera para que a violência continue!
Saiba o que é o Racismo Estrutural
As cenas e relatos nas escolas que estão surgindo nesse mês de novembro demonstram que ainda somos um país longe de resolver o preconceito, de olhar para o outro como sendo apenas o outro. Nossa formação como nação foi marcada e sustentada por violências e desumanização de pessoas negras e continuam fazendo parte do nosso cotidiano. O racismo é opressão. O racismo é uma estratégia de inferiorização e desumanização do outro. O racismo estrutural, conceituado por Silvio Almeida, é aquele existente na própria sociedade, ou seja, faz parte da própria dinâmica social. Se observarmos as estruturas que compõem o poder, há pouquíssimos ou não há negros e indígenas fazendo parte do lugar de decisão. Assista o vídeo e saiba mais:
Já o racismo institucional decorre da discriminação dentro das próprias instituições quer seja pública ou privada. Omitir é uma forma de discriminar! E o silêncio da maioria em relação a uma questão tão grave de violação de direito é opressor. Passa para a vítima (e para todas as pessoas que se identificam de alguma forma com ela) a percepção de que a sua vida vale menos, a sua dignidade vale menos, a sua integridade vale menos e as pessoas que silenciam estão escolhendo o seu sofrimento e aceitando a violação dos seus direitos para não ter atitudes que incomodam os violentos e para não se expor se colocando contra o poder institucional.
Racismo na Educação é uma responsabilidade de todos
Deste modo, todos participam do crime do qual estou sendo vítima. Eu também silenciar passaria para os(as) estudantes negros e negras, para as funcionárias da cozinha e da limpeza, que não podem se colocar como eu me coloco, porque sequer têm estabilidade no emprego, a mensagem de que devemos nos calar diante do racismo – porque “se até com a professora que é concursada eles fazem isso porque ela é preta, imagina o que não pode acontecer com a gente“.
Falo isso tanto para meus estudantes quanto aos meus colegas. Vocês são sujeitos da própria história e podem escolher não se tornar estes adultos que têm esta postura omissa que reforça as violências. E é esta a principal lição que minhas atitudes recentes tentam demonstrar. Meu esforço é tirá-los da zona de conforto que os faz esperar que alguém venha liderá-los e dizer o que vocês têm que fazer. Vocês são inteligentes, pensantes e socialmente responsáveis.
Se importar é necessário, e mais necessário ainda é agir. Muitas ações são possíveis. Conversar com seus(suas) colegas mais próximos(as), com seus familiares e pensar juntos(as) o que vocês têm para oferecer diante do que está acontecendo. Juntos(as) vocês podem decidir como poderiam colocar as competências e habilidades que já possuem e outras que descobrirão a serviço da transformação deste cenário terrível que estamos enfrentando. Assim, cada um de vocês estará colaborando para construir uma escola e, em consequência, uma sociedade menos racista, desigual, injusta e violenta – que é o único caminho que temos para construir uma sociedade verdadeiramente justa e democrática.
Por fim, quero compartilhar o quanto me dói e lamento que minha cobrança do dever coletivo tenha que vir no tom que está ocorrendo e não possa se dar com o sorriso, o carinho e a gentileza de que tanto gosto. Isto não é escolha minha, mas resultado do contexto. Esperar que uma pessoa ferida pela dor da violência causada por uma estrutura que é violenta contra ela de modo covarde e anônimo; que tem que lidar com a omissão também violenta de todos que possuem diferentes níveis de responsabilidade no combate a esta violência e escolhem não agir; esperar que alguém nesta situação seja gentil com os outros é o mesmo que pedir ao ferido de morte que ao invés de buscar tratamento e cura para a ferida que lhe causa dor e pode levá-lo à morte (porque racismo mata diretamente e também provoca suicídio) pedir que alguém sofrendo desta dor seja gentil e moderado é o mesmo que pedir que o ferido esconda a ferida para não incomodar os olhos das pessoas, ao invés de buscar tratamento e denunciar quem a causou. Você pode até encontrar quem faça, mas ninguém tem obrigação de fazer. Não é justo cobrar que ninguém aja deste modo.
Cobrar gentileza nesse momento é causar ainda mais dor nas vítimas. É tirar inclusive o seu direito à indignação. Policiar o tom de voz daquele ou daquela que sofreu qualquer tipo de violência é causar-lhe uma ferida ainda mais profunda. Nas palavras de Layla F. Saad “O policiamento do tom é silenciar violentamente o sentir do outro”.
Tenham certeza que ninguém mais do que eu tem pressa de ver minha gentileza, sorriso e afetos positivos voltarem a ser a tônica da minha rotina. Será o sinal de que terei restabelecido meu equilíbrio emocional, que tem sido abalado por um contexto de profunda violência que não foi causado por mim.
No momento em que nos deparamos com casos de racismo dentro das escolas, percebemos o quanto temos que conversar sobre isso. O lugar sagrado do saber está adoecido e precisa urgentemente de ajuda. Racismo é uma responsabilidade social. Trazer discussões, refletir e implementar estratégias para combater de maneira eficiente o racismo, garantindo o direito constitucional das pessoas negras ao espaço escolar é dever institucional.