A opinião de Carolina Nalon sobre racismo, igualdade e empatia

O que aprendi sobre racismo e privilégios nos últimos dias.

A internet já tem muita gente cheia de certezas e eu não sou uma delas. Por isso, preste atenção, o título desse artigo é o que EU aprendi sobre racismo, não o que todo mundo deveria pensar sobre ele.

Confesso que até gostaria de ser capaz de mudar a forma das pessoas pensarem, mas aos poucos vejo que é melhor eu desistir dessa pretensão e lógica violenta de tentar “promover a paz”.

Hoje, se eu conseguir ser uma pessoa que cria espaços onde as discussões ocorram de forma saudável e respeitosa já me dou por satisfeita. O intuito maior desse artigo é compartilhar algumas das reflexões/provocações que me abriram para um novo jeito de pensar recentemente.

Dito isso, deixa eu te guiar pela minha mini jornada dos últimos dias que me fez enxergar o racismo de outra forma…

Tudo começou quando assisti esse vídeo do Prince EA:

Não é lindo? Eu arrepiei e chorei assistindo.

Acredito profundamente que todos os seres humanos devem ser tratados com igualdade. Afinal, como é possível, meu Deus, que a cor da pele de alguém possa determinar tantos aspectos da vida de uma pessoa?

Esse vídeo do Prince EA alimenta meu lado espiritual que acredita que com amor a gente pode mudar o mundo. Talvez esse seja meu lado mais inocente (ou talvez seja meu lado mais sábio, ainda não sei…).

Agora o que eu sei é que nós não estamos em um mundo plenamente espiritual. Existem muitos processos históricos e sociais que precisam ser analisados para que o enredo desse mundo aqui, que é feito de matéria e relações, possa ser justo. Mas muitas vezes esqueço disso.

Assim, logo depois de assistir o vídeo, e ter ficado encantada com a ideia fofinha do discurso do amor, decidi postá-lo na maior comunidade de Comunicação Não Violenta do Facebook no Brasil.

Eu trabalho com CNV (Comunicação Não Violenta) e um dos primeiros convites que faço aos que querem aprendê-la é enxergar além dos rótulos. O que significa estar disposto a ir além dos julgamentos que fazemos para conseguir enxergar as necessidades do ser humano que está por trás de cada ação que condenamos.

A CNV mudou minha vida, e mudou da água para o vinho minha relação com pessoas que eu amo. Eu sou uma entusiasta dela e achei que esse vídeo do Prince EA tinha tudo e ver com “ir além dos rótulos”, emocionada, apertei o botão “publicar” no meu post.

Em questões de minutos fui surpreendida pelo comentário da Brenda, que até então eu não conhecia:

“Na verdade, esse vídeo não colabora na questão racial que está instituída. Superficial ao tratar origens étnicas como “rótulos”, mesmo tendo explicado a questão ao longo do vídeo, inclusive o conceito equívocado de raça.
Não entendo como homogenizar ao invés de reforçar nossa necessidade de aceitar o diferente seja o caminho. “Raça humana” é utilizada hoje para silenciar o “diferente”, normalmente pautado pela branquitude hegemônica, que ataca todas as etnias que tentam se organizar. Como saber quem sou se me pedem diluição da minha identidade?
Entendi a proposta do vídeo, mas não acredito que contemple o que vivemos hoje, porque a resposta SOCIAL é outra”

Bang!

Sabe quando você lê uma coisa e sente que ela entra bagunçando todas as suas ideias?

Na hora eu pensei…se o que eu quero é de fato contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e amorosa, eu vou precisar ir além do discurso de amor e da aceitação.

E isso me deixa completamente fora da minha zona de conforto.

Precisei de um tempo para me organizar e logo depois percebi que dependendo do nível do problema que estou discutindo preciso utilizar diferentes lentes. O meu discurso “esqueça os rótulos, trate todos com respeito” funciona perfeitamente bem no nível interpessoal, mas não no sistêmico/social. Se eu extrapolar esse discurso para o nível sistêmico caio no risco de ignorar um histórico de opressão que os negros sofreram ao longo da história e que reflete neles até hoje.

E isso também é CNV, mas é um lado da CNV que eu ainda preciso explorar. Eu já integrei muito bem como ela funciona em um nível interpessoal, mas no nível sistêmico ainda sou aprendiz.

A Brenda me lembrou que o discurso de que “somos todos iguais” que costuma vir acoplado do “portanto devemos fazer por merecer” faz a gente esquecer que o ponto de partida para brancos e negros ainda é bem diferente em grande parte da sociedade…

Tem gente que acha que por conta desse tipo de discussão o mundo está ficando chato…se for assim eu quero mais é que a gente caia em tédio profundo, pois são exatamente essas discussões que me dão esperança de que a justiça social e aceitação da diversidade poderá existir.

Mas o que fazer se somente ter amor e ser legal não basta?

Cada vez mais eu entendo que somente ser uma pessoa que não tem preconceitos, ou acha que não tem, ainda não é o suficiente. O que precisamos fazer em termos práticos ainda é algo que estou aprendendo, mas acho que reconhecer que nós, brancos, somos privilegiados em nossa sociedade, já é um bom começo.

Quando reconheço meus privilégios meus ouvidos se abrem mais facilmente para entender o que os outros querem dizer. Eu quase cai na armadilha de acreditar que não sou privilegiada por nada, afinal, apesar de ser branca minha família veio de uma condição extremamente pobre e ainda estamos todos batalhando para conseguir conquistar e manter um certo nível de conforto material/financeiro. Mas hoje, eu consigo reconhecer que se eu, meu pai ou minha mãe fossemos negros certamente teríamos tido menos oportunidades do que as que tivemos até então.

Reconhecer os privilégios. Essa é a grande diferença.

Por incrível que pareça, a recente onda de discussão do feminismo me ajudou muito a compreender o comentário da Brenda. Vou te explicar melhor como isso aconteceu.

Eu tenho dois irmãos mais novos e eles são os homens mais lindos que eu conheço. Lindos pela forma sensível e amorosa que enxergam o mundo. Um deles, o João, faz jornalismo na Cásper Líbero. Ele quis se aproximar do movimento feminista da Cásper. Levou muitas bordoadas na cabeça até entender porque é conceitualmente distorcido dizer que um homem é feminista. Somente uma pessoa com muito amor, empatia e curiosidade consegue resistir a bordoadas logo depois de ter chegado com a intenção de ajudar.

Afinal, é muito ruim chegar em um lugar com uma intenção aparentemente boa e ser atacado, não é mesmo?

Mas quem tem boas intenções de verdade consegue tensionar as próprias convicções para escutar o que o outro quer dizer. E foi o que ele fez. Ao invés de atacar de volta, ele criou espaço para que aquelas mulheres falassem o que queriam dizer para ele. Foi um longo processo, mas muitas coisas mudaram dentro dele.

E como essa história dele refletiu em mim?

Um dia estávamos conversando sobre o fatídico ENEM e ele falou:

– Demorei para perceber que sou machista, só depois que reconheci isso que eu pude entender o feminismo…

E eu perguntei:

– Como assim você é machista?

E ele falou:

– Sou machista por me beneficiar da estrutura da sociedade, simplesmente pelo fato de ser homem. E não ter sido criado para prestar atenção nas nuanças explícitas e implícitas dessa desigualdade.

Agora pausa. Longa pausa. Respira aí, leitor.

Talvez a sua definição para machismo seja outra.

Acho que tentar encontrar uma definição para o que é machismo/racismo/homofobia, etc. é um dos principais problemas na hora de conversarmos sobre essas coisas. Afinal, se não estamos discutindo um tema a partir da mesma conceituação desse tema como é que essa discussão vai desenrolar?

Confesso que não tenho um arcabouço teórico super bem estruturado para discutir as nuanças desses conceitos, então, a única coisa que quero de fato compartilhar aqui é o que eu senti quando meu irmão me disse isso:

Senti um alívio inexplicável.

Porque nessa definição de machismo está inclusa a ideia de que ele é privilegiado e o simples fato de um homem reconhecer seus privilégios diante de mim me fez ter certeza de que ele conseguia me entender completamente.

E para mim não tem nada melhor no mundo do que a sensação de ser compreendida. Esse é o momento sagrado da empatia. Isso criou um laço muito forte entre meu irmão e eu.

Se partirmos do princípio que machista é aquele que se beneficia da estrutura da sociedade, simplesmente pelo fato de ser homem, também poderíamos esticar essa definição para o racismo. Racista é aquele que se beneficia da estrutra da sociedade somente pelo fato de ser branco.

Na minha experiência eu vejo isso como uma verdade, sendo assim, acho que a lição maior que aprendi nos últimos dias sobre racismo é que eu mesma sou racista (segundo essa definição).

Logo eu, que sou tão contra os rótulos estou me dando esse rótulo tão pesado e controverso. Mas isso porque acabo de aprender que, em um nível sistêmico reconhecer nossos privilégios talvez seja o maior ato de empatia que podemos oferecer.

Então, empatia cura tudo?

Não. Não estou sugerindo que é somente a empatia que cura tudo e resolve o problema do mundo em um âmbito social. Não estou caindo na falácia do “vamos ser pessoas de bem que o resto se resolve”.

O que resolve mesmo é criar espaço na sociedade para que esses grupos tenham voz e oportunidades iguais.

Mas pera aí, Carol, então você acha que esses programas sociais e as cotas são a solução para tudo?! Eu acho que eles são um começo, talvez não sejam as melhores soluções do mundo, mas são medidas necessárias para agora.

Mas meu ponto aqui não é nem pontuar qual é a melhor solução ou não, meu ponto principal nesse artigo é fazer você refletir sobre COMO conversamos sobre essas possíveis soluções.

A única coisa que acredito nessa história toda é que a qualidade das nossas discussões acerca dessas soluções tem influência direta em como, quando e com que eficiência essas iniciativas tomam forma (somos o reflexo proporcional de quem está no poder público). E que para termos discussões sensatas precisamos fazer uma escolha: com que lente vamos começar a enxergá-las?

Eu demorei muito para perceber que se eu partir do princípio de que todos os seres humanos são iguais, como sugere o vídeo do Prince EA, posso cair no raso discurso da meritocracia, que apesar de motivador não é nada empático, pois ele desconsidera todo um histórico social.

Eu desconfio que discutir a partir da lente do entendimento de quem foi/é historicamente privilegiado tem o poder de gerar uma verdadeira conexão entre as pessoas que estão discutindo. Pelo menos foi isso que aconteceu comigo e com meu irmão.

E é o olhar dessa nova lente que eu queria compartilhar com você, querido leitor, um aprendizado vivo que está acontecendo dentro de mim agora. Vamos para além do discurso do amor? O amor será sempre bem-vindo, claro, mas temos muitas coisas para desconstruir dentro de nós mesmos antes de conseguirmos vivê-lo plenamente.

Que tal começar a pensar sobre seus privilégios? Assista ao vídeo abaixo e tente imaginar em que posição você terminaria esse exercício!

Se fosse você, nessa escada de privilégios, onde você pararia?

ps* agradeço de coração a Brenda e ao meu irmão João, que não só me proporcionaram os momentos de aprendizado como também me ajudaram revisando esse artigo para publicação.

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