Aqui em Carlotas, os espaços de escuta são muito importantes. Dialogar com diferentes pessoas, em diferentes cenários, territórios, escolas e momentos da trajetória de cada grupo é uma forma de fortalecermos o acolhimento e o olhar para a diversidade que tanto acreditamos. E em 2021 não foi diferente. Dialogamos sobre diversos temas e dentro de cada um deles, buscamos trazer perspectivas para ampliar a conversa.
Buscando manter o compromisso com um acolhimento de qualidade para o nosso Programa ExploreCarlotas (que é o coração da nossa empresa), abrimos muitos espaços de diálogo ao longo do ano para ouvir as pessoas que estão à frente dos movimentos educacionais nas escolas e instituições que acolhemos. Toda ação que desenvolvemos busca investigar o que é importante na visão de cada ser, priorizando a sensibilidade e o afeto nas relações.
A fim de nos ajudarem a avaliar a trajetória percorrida em 2021, realizamos um encontro para escutar algumas parceiras de Carlotas – uma maneira de rever nossas ações para o próximo ano e perceber o que tem feito sentido, o que tem sido bom, o que pode ser readaptado, o que pode melhorar para acolhermos cada vez mais e com maior qualidade, já que a demanda em acolher tem crescido. Oportunizar o encontro entre mulheres que acolhem foi um momento muito inspirador e potente. Essa escuta foi uma forma de perceber a necessidade da gestão, do corpo docente, da rede de apoio, das famílias e dos estudantes que compartilham boa parte de suas vidas dentro das instituições.
No Programa ExploreCarlotas, temos a chance de encontrar e conviver com muitas mulheres. São mulheres que, muitas vezes, esquecem de se acolher para conseguirem se manter acolhedoras, que precisam pensar no outro ser e perceber a necessidade que ele ou ela tem. Abrir espaços para pensarmos juntas, e com isso nos aquecermos e nos cuidarmos das maneiras mais diversas e essa foi uma forma de mantermos a saúde emocional dentro do Programa, sem perder de vista que são mulheres que atuam diretamente na educação de muitas crianças e adolescentes.
Iniciamos o encontro com uma bela metáfora, perguntando às participantes com qual estação do ano elas mais se identificavam no momento da sua chegada. Somos mulheres de todas as estações, uma vez que o ciclo de cada estação habita em cada uma de nós (primavera, verão, outono e inverno) em diferentes fases da vida, no ano e até mesmo de um dia. Foi lindo perceber um grupo de mulheres de territórios, perspectivas e opiniões tão diferentes se mostrando atentas para ouvir, acolher, conversar e se contar.
Neste exercício, muitas delas estavam em transição e por se conectarem, nesse momento com o outono, como estação representativa do seu mundo interno, e sinalizaram como uma fase que demonstra a necessidade de se recolher, para só então florir mais a frente. Guardar energia é importante nessa fase, já que as transformações podem ser doloridas. As participantes citaram de forma coletiva, como um dos desafios desse desabrochar, a luta pela garantia dos seus direitos (tão violados recentemente). Outra dor compartilhada nasce das relações dentro da escola, junto à dificuldade de lidar com as docentes por conta da ansiedade e do medo causados principalmente pela pandemia.
A educação passa por muitas transições e desafios, e poder estar nesse grupo para ouvir e dialogar sobre essa pauta, de perspectivas diferentes, é muito enriquecedor. É transformador testemunhar um encontro entre coordenadoras que não se conheciam, mas se conectaram pelo fazer profissional. Por isso, após o aquecimento, perguntamos às participantes quais haviam sido os maiores desafios que enfrentaram em 2021 no seu papel profissional. Compartilhamos aqui algumas das respostas a fim de aprofundarmos o olhar diante do cenário da educação pública.
A partir da pergunta, pudemos ver todas afirmando com a cabeça quando a Meire disse que a coordenação é a alma da escola, e um dos maiores desafios que ela percebe é a demanda de burocracia, que as fazem correr o risco de esquecer a pessoa, o ser, o aluno como protagonista. Ela citou ainda que percebe que os alunos estão vivenciando grandes dificuldades no letramento e na alfabetização. Isso a angustia, mas não a impede de buscar ajuda para trazer novas perspectivas no seu fazer diário.
A Helô compartilhou que foi inevitável perceber ainda mais de perto que neste ano algumas relações se mostraram difíceis e desafiadoras dentro da escola. Fala muito complementar à Fabíola, que mencionou o quanto, às vezes, é difícil conciliar os interesses de todos(as), e o papel da direção é fazer a escola seguir funcionando nesses contrastes. Mesmo com menções a tantos desafios, demandas e algumas vezes falta de apoio, percebemos um encontro cheio de trocas de experiências, onde cada uma trouxe perspectivas do que elas acreditam ser importantes. Como a Fany, que disse que o(a) coordenador(a) é visto(a) como articulador(a), e acrescentou o fato de que tem sido difícil manter as pessoas motivadas e comprometidas nesse cenário.
Em diferentes falas observamos que a questão emocional é algo recorrente, assim como é nítido perceber a sobrecarga. Nesse sentido, Renata relembrou que a secretaria retirou os momentos de coletivos para aprender. Com essa mudança, a comunicação foi muito prejudicada, e a falta de acolhimento interferiu diretamente nas relações de trabalho.
Cada espaço e cada instituição apresenta desafios únicos. Nesta conversa, tivemos também o privilégio de conhecer um universo um tanto novo para o nosso Programa, o cenário dos centros de acolhimento para jovens. Enquanto compartilhávamos sobre os desafios que cada participante estava enfrentando no seu cenário profissional, a Fernanda (que trabalha com adolescentes) trouxe uma reflexão muito importante sobre a dificuldade dos jovens em encontrarem trabalho e moradia, pois eles e elas partem de lugares diferentes, e isso dificulta o acolhimento fora dos abrigos.
Todas se conectavam uma com as falas das outras. Mesmo estando em lugares tão distintos, trabalhando com faixas etárias diferentes, os desafios aparecem em todos os lugares e o segredo está em como lidamos com cada um deles. A Geusa comentou sobre a dificuldade de passar pela pandemia em si. Ela contou sobre os acolhimentos com todas as famílias e sobre a escuta em relação aos medos de todos(as), uma vez que tiveram professoras com Covid. As famílias da sua escola, segundo ela, se mostraram compreensivas, e esses diálogos solidificaram a ponte entre as famílias e a escola, tornando as relações mais próximas.
Na última parte do encontro, pedimos que cada participante compartilhasse conosco o que sentiam em relação ao Programa ExploreCarlotas. Nosso programa é focado no desenvolvimento da educação emocional dentro da escola e objetiva qualificar as relações para tornar o espaço de convivência um lugar mais seguro. Cada uma das escolas participantes tem um tempo de vida diferente junto ao programa (algumas desde 2016 e outras acabaram de começar). Queríamos realmente entender qual foi o impacto de nossas ações na saúde emocional das escolas, e compartilhamos aqui algumas percepções e devolutivas.
Um dos pontos mais trazidos por elas foi o quanto a saúde emocional se mostrou latente e presente na convivência escolar, e segundo elas, foi importante ter Carlotas para pensarmos juntas sobre esse caminhar. As devolutivas dos encontros realizados foram inspiradoras, e foi um acalanto perceber que o que foi e é ofertado está fazendo sentido pra quem recebeu.
Sentimos como uma grande colcha de retalho das relações que costuraram histórias e experiências cheias de afeto e cuidado. Segundo a Fabíola, os encontros presenciais e virtuais se mostraram realmente muito diferentes, mas mesmo assim, ela percebe o afeto e o acolhimento que receberam de Carlotas e sinalizou que deseja continuar essa ponte carinhosa, pois a fortaleceu. Já a Cris ponderou que gentileza gera gentileza, e que as professoras citam os encontros conosco durante dias após eles aconteceram. Ela percebe que essas oficinas reverberam no cuidado de todos e todas, como uma sementinha que vai propagando. A Cris também citou que parece que os encontros são poucos, mas eles se multiplicam nas ações do dia a dia na escola, reforçou que têm sido muito proveitosas as nossas trocas, fechando sua fala com um agradecimento de aquecer nossos corações.
A Renata compartilhou conosco que a rotina do CEI (Centro de Educação Infantil) é muito corrida, e por isso foi muito fortalecedor o fato de Carlotas convidar as educadoras a se conhecerem para além da escola, como mulheres, mães e contadoras de histórias. Segundo ela, a partir de um encontro sobre autocuidado decidiram realizar uma ação na escola para fortalecer esse caminho de autoestima, onde presentearam cada educadora com canecas contendo seus nomes e seus significados. A Rê compartilhou que essa foi uma ação iluminada pelas propostas de Carlotas. Imaginem nossa emoção ao ouvir isso!
Criar espaços seguros e escuta afetiva tem nos mostrado um divisor de águas no fortalecimento de cada relação que estabelecemos. Sentimos que acolher é um caminho sem volta, pois acessamos lugares adormecidos e que em alguns encontros as professoras acolhedoras sentem que puderam trazer seu ser integral sem medo e sem receio.
Nesse sentido, Fernanda, compartilhou que sua equipe foi muito sensibilizada nesses encontros. Ele disse que se sentiu acolhida como colo de mãe, e que além disso, foi muito bom conhecer as estratégias visuais que usamos nos encontros com os jovens. A Fê também contou que os jovens trouxeram devolutivas muito boas e que ela, pessoalmente sai muito agradecida por termos acolhido até mesmo sua filha em um momento de encontro. Ela nos presenteou com a frase: “isso reforça o que sempre acreditei – que a nossa vida atravessa o trabalho e não ao contrário.”
A Fany, coordenadora de um CEI, trouxe que são as pequenas coisas, os detalhes que às vezes passam despercebidos, que Carlotas vem lembrá-las. Ela afirmou que o que é vivido nos grupos de encontro reverbera em todas as nossas relações como em uma teia, que podemos tecer juntas.
Todas essas falas nos lembraram como é importante estar disponível para acessarmos espaços seguros, cada ano de uma forma, já que somos seres diversos e em cada momento podemos ser tocadas em lugares diferentes. Nesse sentido, Clarice compartilhou que cada ano Carlotas esteve na escola de maneira diferente e veio para ouvir as suas angústias e dores. Ela disse também que a equipe do CEI em que trabalha trouxe que só puderam ser ouvidos de verdade no encontro com Carlotas, e que é incrível o quanto nesses encontros podemos ver o outro em nós.
Esse encontro foi cercado por coordenadoras, diretora e técnicas de instituições parceiras, que nos ajudam a caminhar sem esquecer que buscamos a desconstrução do perfeito através da empatia e do respeito, por isso a generosidade nas palavras vieram bem pulsantes e marcadas de muita gratidão por cada uma de nós. Repensar esse espaço é também poder ressignificar a partir da reflexão compartilhada, para que a cada ano, nós aqui em Carlotas possamos fortalecer algumas pontes e construir outras sem perder a qualidade e o afeto para atravessar. Sabemos o quanto são desafiadores alguns ciclos nas escolas, e desejamos ser um porto seguro para que as equipes possam repousar e se abastecer para seguirem adiante. Conhecer as dores e andar junto para repensar caminhos possíveis é o que nos motiva e também nos inspira.
Agradeço a cada uma que pode chegar nessa roda de afeto.
Equipe Carlotas: Edite Neves, Fernanda Gutierrez e Gabriela Treteski
Nosso agradecimento especial às participantes que doaram seu tempo para pensar e estar conosco:
Clarice Roriz, Cristina Cecília, Fabiola Azevedo, Fany Wirthmanm, Fernanda Guimarães, Geusa Coelho, Heloisa Gomes, Meire Rute e Renata Monteiro.
*Ilustração da capa: Keith Mallett