As consequências da falta de educação midiática na vida dos adolescentes.
Gostei tanto da série ‘Adolescência’ porque, finalmente, alguém conseguiu abrir um diálogo real sobre os riscos da internet para crianças e adolescentes. Falar sobre a educação dos filhos dos outros é delicado. Sempre surge a ideia de que, se você não tem filhos, não tem lugar de fala. Mas os fatos estão aí: a educação midiática ainda é um tema recente, enquanto as crianças e os adolescentes de hoje cresceram imersos na internet e nas redes sociais, muitas vezes sem orientação ou proteção.
“Há uma extraordinária coincidência entre o surgimento do celular, dos smartphones e do começo das redes sociais, com o aumento expressivo de todos os índices que medem o sofrimento dos adolescentes.” Mario Corso em entrevista para a BBC
Até pouco tempo, falar sobre pais e filhos, rastro digital e educação midiática no mesmo contexto era tão delicado quanto discutir casos de pedofilia e homossexualidade dentro da Igreja Católica nos anos 1990: um tabu. Mas a série do momento, ‘Adolescência’, conseguiu abordar o tema de forma eficaz, abrindo diálogo em diferentes canais e mídias!
Um adolescente de 13 anos hoje teve seus primeiros anos de vida registrados pelos pais e recebeu todo tipo de feedback positivo. De repente, ele tem suas próprias redes sociais e começa a sentir o peso da aprovação dos outros. A validação agora vem do seu círculo social, que não é mais composto apenas por familiares e seus amigos, mas também por colegas da escola.
É na adolescência que começamos a perceber o mundo fora do cuidado dos nossos pais e passamos a ter mais autonomia. Nesse momento, o mundo se revela, mas ainda não temos maturidade suficiente para compreendê-lo. E aí, muita coisa pode acontecer.
Se você tem mais de 30 anos, provavelmente cresceu com a experiência das ruas. No entanto, devido ao aumento da violência, os adolescentes das grandes cidades se desenvolvem nas redes sociais, um universo sem limites, onde é possível encontrar tanto boas amizades e conteúdos relevantes quanto humilhação e violência em todas as suas formas.
O impacto da internet na saúde emocional dos jovens
O aumento no número de casos de distúrbios emocionais entre jovens está diretamente relacionado ao uso da internet. Falta maturidade emocional para lidar com tanta informação e principalmente, há pouca vivência para atravessar momentos de grande dificuldade.
Os dados sobre suicídios são alarmantes, principalmente entre adolescentes. O público mais afetado são meninos vítimas de bullying. O cyberbullying é o pior tipo de bullying, devido ao seu potencial de alcance e rápida viralização.
Segundo uma pesquisa da Fiocruz Minas (2022), mulheres que têm imagens íntimas vazadas sofrem impactos como automutilação, depressão, fobias, tentativas de suicídio, entre outros distúrbios emocionais.
Misoginia e os riscos das redes sociais
A série fictícia aborda a misoginia e retrata um caso extremo, onde o cyberbullying resultou em homicídio. A disseminação do discurso misógino entre meninos adolescentes foi pauta de alguns veículos em 2024, mas não teve tantos holofotes como agora.
Um estudo realizado pelo University College London e pela Universidade de Kent, divulgado em fevereiro de 2024, apontou que os algoritmos do TikTok estavam ajudando a normalizar discursos misóginos entre adolescentes. Esse padrão, naturalmente, seria reproduzido em outras plataformas.
Parte da série se passa em um colégio aparentemente moderno, com características de uma escola inclusiva e diversa, preocupada com o desenvolvimento das competências socioemocionais. Há cenas onde o bullying é contido dentro do ambiente escolar, além da presença de apoio psicológico aos alunos, ao mesmo tempo que mostra negligência por parte de alguns professores.
Durante a investigação do caso na série, quando surge a expressão “incel”, a educadora diz não conhecer o termo. Aqui, temos um ponto de alerta: os profissionais da educação estão preparados para lidar com o cenário atual? A internet transforma a sociedade rapidamente, e os desafios enfrentados pelos jovens mudam o tempo todo.
O desafio da educação midiática
No Brasil, a educação midiática não só é recente, como também desigual. Escolas particulares tendem a oferecer programas relacionados ao tema, mas isso não é uma regra, e há pouco desenvolvimento nas escolas públicas.
O assunto muitas vezes acaba marginalizado, pois é apresentado de forma pouco atrativa para os jovens. Assim, torna-se apenas mais uma obrigação e não gera engajamento.
“Os conteúdos muitas vezes não se aprofundam nas questões que os jovens realmente enfrentam: o impacto da comparação constante nas redes sociais, a banalização do discurso de ódio, os atravessamentos de raça, classe e gênero, o aliciamento por grupos extremistas, a solidão on e offline. E, quando isso é ignorado, o currículo se torna pouco eficiente.” Ylanna Pires, para a Contente.
Os professores precisam estar em constante atualização sobre os movimentos das mídias, e os próprios alunos podem ajudar nesse processo. É possível incluir memes e virais da internet no centro da discussão, abrindo espaço para troca de informações.
As escolas precisam ser um ambiente seguro para o diálogo, para que os jovens se sintam confortáveis em procurar ajuda para resolver conflitos.
Muito além de desenvolver competências socioemocionais, a educação midiática propõe o desenvolvimento do pensamento crítico e criativo, da colaboração, da comunicação e do autogerenciamento emocional.
A educação midiática não é apenas para os jovens — eles são os mais vulneráveis, mas todos podemos ser vítimas dos impactos negativos da internet.
“Eu poderia ter feito mais”: a responsabilidade dos pais e educadores.
O controle parental é apenas uma das ferramentas possíveis para monitorar uma criança. No entanto, as ações e o comportamento diário dela dizem muito mais sobre o que está se passando com ela.
Por isso, a escola também tem um papel fundamental nesse processo, pois é onde a maioria das relações acontece. No entanto, os reflexos dessas relações são normalmente vistos em casa.
Adolescentes há muito tempo são chamados de “aborrescentes”. Talvez isso tenha começado quando deixamos de precisar casar e assumir uma família aos 14 anos. Mas estamos diante de uma geração que está se desenvolvendo sob o olhar de milhares de pessoas, sendo julgada e validada constantemente, como nenhuma outra antes.
É importante ir além do controle parental do celular. Como seu filho fica após uma longa exposição à internet, após fazer uma publicação em suas redes pessoais ou após ser exposto a certos conteúdos? Como são suas noites de sono? Não é apenas sobre o que ele está vendo e com quem está interagindo, mas como isso tem afetado sua vida e suas relações.
Frequentemente ouvimos pessoas dizendo que perderam a maturidade nas redes sociais. Agora, imagine como seria sua reação a isso com a mentalidade de um jovem de 13 anos.
Uma criança não precisa cometer um crime para impactar a sociedade. A baixa autoestima, raiva, ansiedade e depressão são sintomas emocionais que afetam não apenas o indivíduo, mas a todos ao seu redor.
Por isso, precisamos falar sobre adolescência.
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