Alfabetizar é uma longa caminhada, onde cada passo, cada ação, cada sensibilização conta. Conta para que a criança se sinta segura, para se permitir desbravar e decodificar os códigos, as letras, as palavras, as frases e tudo o que vem acompanhando a alfabetização. Sempre gostei de brincar com meu filho, contar histórias, ler juntos, observar o mundo por perspectivas, e logo que ele foi se percebendo no mundo tudo virava e vira brincadeira. Contar os degraus do metrô, andar as linhas retas das calçadas e perceber as formas que cada calçada nos apresenta, perceber o som das letras nas cantigas…e foi em cada brincadeira que fui percebendo algumas possibilidades para que a alfabetização pudesse ser leve, afetiva e efetiva.
Desde o ventre sempre gostei de conversar, ler, cantar e compartilhar o meu mundo com ele, pois ali ele já sentia, e esse é um caminho que acontece com todas as crianças no ventre, sentir o mundo pela perspectiva da mãe. Essa experiência eles e elas vão carregar afetivamente em suas peles. E cada um, ele e eu, foi se percebendo nessa partilha de dois corações pulsando no mesmo corpo. Na gestação eu sentia sede de degustar mexiricas e perceber como fez sentido ele pedir um bolo de mixirica aos três anos. A partir desses passos onde o sentir no gestar também é um caminho para o letramento e para alfabetização e vice-versa, mas na maioria das vezes não validamos esse sentir do início da vida como potência para o processo do aprender.
Estar e ser presente na relação com meu filho, contar histórias, observar o mundo por perspectivas, fez e faz toda diferença quando percebemos o mundo, para que tudo vire brincadeira, Sem medo de me sentir ridicularizada, quando brincamos de contar os degraus do metrô, andar as linhas retas das calçadas e perceber as formas que cada calçada nos apresenta, perceber o som das letras nas cantigas, ouvir o som da chuva… e foi em cada brincadeira que fui percebendo algumas possibilidades para que a alfabetização pudesse ser leve, afetiva e efetiva.
Brincamos e cantarolamos as cantigas de roda, e ele decorou algumas palavras das letras cantadas, e assim, ele foi sendo oralizado com cantigas dos sambas, da capoeira, do jongo, do moçambique e batuques que sempre fizemos questão de levá-lo para conhecer, apresentando as brasilidades possíveis, para rompermos padrões e preconceitos. Essa era uma parte do caminho, onde a nossa rede de apoio se permitiu acolher e educar junto nessa jornada. Nossa rede sempre foi UBUNTU (Eu Sou Porque Nós Somos), as tias que sempre ligam, uma comadre que apresenta seu mundo, um compadre que nina com suas canções de dormir, outra que o leva para conhecer novos ritmos, aquela que é como a mamãe e assim foi se desenhando cada pedacinho desse letramento para além das letras, através das relações e experiências.
Alfabetizar é encontrar esse meio do caminho onde a generosidade nas ações e nas relações aparecem o tempo todo. Não foi e não é fácil! E trago a perspectiva como mãe e educadora, acredito que essa ponte entre a família e a escola faz toda diferença na aprendizagem de cada criança. Tentamos achar caminhos para que ele conseguisse se envolver no percurso e a ludicidade se tornou um grande abraço, para que o processo se tornasse afetuoso. Muitas vezes perdemos a paciência, nos irritamos, parece que não vai dar certo, mas podemos pausar, respirar, pesquisar e aprender juntos, que cada dia é um dia, cada momento é um momento e a aprendizagem é constante, mesmo quando não estamos pensando nela, pois os olhinhos curiosos estão sempre em alerta para observar o que estamos fazendo.
Percebi que algumas brincadeiras o auxiliavam a decodificar alguns símbolos, por exemplo quando brincamos de stop ou adedonha, de várias maneiras, com e sem escrita, no modo lento e moderado, para que ele conseguisse escrever e perceber a inicial de cada letra. E foi assim, ouvindo, escrevendo, brincando, lendo que ele foi, também percebendo o som e a forma de cada letra.
Percebemos que ele sempre gostava dos livros, das dobraduras, dos desenhos e como ele era o mais velho do núcleo de amiguinhas, passou a ler para elas e essa foi mais uma maneira de acolher as amigas, praticar a leitura e conversar virtualmente com os afetos que ele criou, veja que em uma ação, muitos acolhimentos, principalmente no momento que vivemos a pandemia intensamente.
Uma das comadres conta histórias pelo Agbalá Conta e meu filhote sempre gostou de ouvi-la. Um dia ela o convidou para participar de uma live e ele adorou a ideia. Ele propôs ler um livro, mas tinham as questões autorais e como não entendemos muito decidimos criar juntos os nossos textos Desde então passamos a auxiliar na escrita criativa de textos e histórias, assim para uma ação percebemos que podemos fortalecer cada fase dessa aprendizagem, percebendo as áreas de interesse e fortalecendo cada ponte que ele se permitia criar e atravessar para aprender.
Ele continua seu percurso, se alfabetizando e letrando, de formas variadas. Aprender, ler juntos, produzir textos e personagens, assistir animes juntos e continuamos brincando com as palavras e desenhos e por conta dessa autonomia em se perceber leitor e escritor ele escreveu mais um conto chamado Kaiodê Kelé, que leu na live e que está no site de Carlotas.
Aos 9 anos se tornou o mais jovem correspondente em Carlotas, que o acolheu nessa fase de seu caminho, estimulando e apresentando novos desafios. Meu menino tem crescido e sua rede se fortalecendo a cada passo, pois ele já percebeu que a vida é feita de relações e que podemos cuidar de cada uma delas, e cada uma viveremos de uma maneira diferente, ensinando, desaprendendo e aprendendo.
Essa é a jornada que vivenciei com uma criança, sei que o caminho é longo e que muitas vezes enfrentamos dificuldades, também sabemos que cada criança aprende de uma maneira diferente, mas cabe a nós, rede de apoio, em casa e na escola, auxiliar nos desafios que é aprender e desvendar esse mundo através da alfabetização e do letramento. E por isso lançamos um Guia de Alfabetização, como apoio e que vem recheado de histórias e atividades para te inspirar e auxiliar neste caminho que é acolher o processo de aprendizado das crianças que te cercam.
*imagem da capa: Ravi