Há quem diga que não se muda o mundo sem antes mudar-se a si mesmo.
Eu concordo. Definitivamente, o primeiro passo é olhar pra dentro.
Enfrentar um ou outro medo, fazer perguntas desconfortáveis e abandonar hábitos ultrapassados. Reconsiderar opiniões, conhecer gente nova e deixar seguir tudo – e todos – que causam mais indigestão do que compreensão.
Parece uma fórmula mágica, que vem acompanhada de menus vegetarianos e danças circulares. Mas nem sempre é tão mágico assim. Pelo menos não pra todo mundo.
Por um bom tempo eu escutei que devia priorizar a minha vida, o meu bem estar, descobrir meus talentos, curar minhas feridas e solucionar meus mal entendidos, para só depois sair pro mundão e tentar fazer algo por ele.
“Você não consegue ajudar ninguém, se não ajudar a você mesma antes” soava como um mantra que eu nunca consegui seguir. Pra mim, parecia esquisito demais tentar abstrair o circo pegando fogo lá fora só pelo bem da minha “mudança interior”.
Como é que faz quando a gente vê um molequinho vendendo pano de prato na rua, a galera que tem o barraco incendiado na favela, as meninas que sofrem mutilação genital, os atos de racismo, homofobia, xenofobia e machismo que matam, a amiga de infância que se divorcia e tudo aquilo que acontece fora da gente, mas que está gritando um pedido de ajuda.
“Não posso agora, estou cuidando de mim” não me parece a resposta mais adequada, nem a mais recheada da evolução que se pretende. E olha que isso vem de alguém que ama o silêncio, a solidão e uma boa noite de sábado lendo um livro no sofá.
Foi nesse impasse com relação às ordens de prioridade, que me dei conta que quase sempre nos colocamos como seres absolutamente merecedores do “MEU”. Meu tempo, minha jornada, meu sonho, minhas conquistas. Ações, comportamentos e ambições acabam sendo pautadas na “minha” necessidade de suprir um desejo que é só “meu” e que já me traz inquietações suficientes. É como se outro só fosse importante se amenizasse essa “minha inquietação”, mas se ele me cria ainda mais desconforto, eu logo me convenço de que não é hora de olhar pra ele.
Eu, que sempre fiz tudo ao contrário, resolvi olhar pra dentro, mas também olhar pra fora e pra onde mais meu olhar alcançasse. Olhei pras minhas crenças, inseguranças, pros meus preconceitos e ignorâncias. Olhei pros meus privilégios e pro meu mérito disfarçado de regalias da pele branca de classe média. Olhei pros meus medos, pras minhas certezas e olhei pra onde eu nem sabia que dava pra olhar.
O olhar voltou e eu também fui olhada. Por quem me acolheu, me ouviu, me criticou e me compreendeu. Fui olhada por quem enxergou coisa ruim e um punhado de coisa boa, por quem me julgou, duvidou e se convenceu. Por quem me ensinou, me xingou, dividiu ou, simplesmente, me olhou.
São todos esses olhares que, juntos, fizeram – e têm feito – de mim cada dia um pouco diferente e têm me proporcionado a maior lição de todas elas: não há a menor possibilidade de promover uma mudança sozinho. Seja ela qual for.
Minha história é feita de mim, mas também é feita de gente. Gente que passou e ficou, passou e se foi, que ainda vai passar ou que sequer passou, nem vai passar, mas me influenciou e vai me influenciar.
Eu também sou essa gente pros outros. E assim a vida segue, histórias interconectadas, interdependentes e interligadas.
Cuidar de si é corajoso, mas cuidar de si sem esquecer do outro é virtuoso.
O mundo não para pra gente conseguir se entender, muito menos se curar. O mundo continua girando e trazendo aquilo que a gente precisa pra compreender, de uma vez por todas, que não se chega à evolução sem conexão. Conexão humana que deriva da compaixão, da empatia, da dignidade de existir e do respeito à existência do outro.
Mudar a si mesmo implica mudar seu olhar pro mundo e o olhar que o mundo tem sobre você. E aprender a ouvir.
Ouvir o que o outro tem a dizer e o que o mundo está tentando sussurrar. Ouvir atento, cauteloso, generoso. Ouvir sem interromper, sem rebater, sem julgar. Só ouvir.
Olhar e ouvir. Isso muda de dentro pra fora, mas muda também o que está fora e vem pra dentro. Muda nossa relação com a gente mesmo, mas muda, sobretudo, a nossa relação com o outro. E no fim das contas, é isso mesmo que importa.
Afinal, a gente é feito do outro e o outro é feito da gente. E nessa co-criação de histórias, mais vale um ser virtuoso pro mundo do que um corajoso em si mesmo.
Esse artigo foi previamente postado no site da Think Twice