“A autoestima corresponde à valoração intrínseca que o indivíduo faz de si mesmo em diferentes situações e eventos da vida a partir de um determinado conjunto de valores eleitos por ele como positivos ou negativos.” Schultheisz e Aprile (2013).
Porém, quando se trata de equilibrar esta valoração sabemos bem que, salvo as exceções, não estamos falando de algo consciente, muito menos consistente, pois geralmente boa parte do referencial que temos de nós e do outro está pautado em uma série de singularidades psíquicas e sociais, permeadas constantemente por emoções complexas e, em sua maioria, tidas como “tabu” numa sociedade ainda tão arraigada a conceitos e pré-conceitos essencialmente maniqueístas.
A forma como nos reconhecemos individualmente no mundo traça grande parte dos nossos comportamentos. É o que compreendemos sobre ser quem a gente é, que regula nossas condutas frente ás complexidades da vida.
“Conhecer e aceitar nossas principais características, sejam elas tidas como boas ou más, é essencial na composição de uma autoestima saudável, ainda assim, muitas vezes negamos este conhecimento com o intuito de sublimar o que ele representa.
A compreensão das nossas “inadequações” ao padrão que nos é imposto, seja com requisitos estéticos, seja com exigências comportamentais, contribui significativamente com nosso desenvolvimento individual, até porque a maneira como lidamos com o que é “negativamente compreendido”, diz muito sobre nossas capacidades de autopercepção, aceitação, flexibilidade, resistência, gestão de mudança…
Vale ressaltar que esta compreensão não é uma tarefa fácil, tão pouco proporcionalmente acessível, haja vista os estigmas sociais que nos permeiam de maneiras completamente diferentes. Muitas problemáticas apontadas por um perfil social, não serão sequer notadas por outro, a exemplo o enorme abismo entre o processo de construção da autoestima de uma mulher branca e uma mulher negra. Embora as reproduções sociais relacionadas ao machismo e sexismo afetem ambos os perfis, o impacto do racismo neste processo altera completamente o cenário.
“Desde o nascimento e ao longo do processo identitário, a autoestima é influenciada pelos referenciais coletivos de beleza, nos quais as mulheres negras praticamente não estão representadas, apesar da maioria da população brasileira ser negra. Como resultado, no imaginário social e em concepções pessoais, temos pensamentos e sentimentos que tratam a diversidade com hierarquia de valores, prejudicando drasticamente a forma como mulheres negras são vistas e, consequentemente, sua autoestima e relações afetivas” afirma Clélia Prestes, mestre e doutora em Psicologia Social pela USP e psicóloga do Instituto AMMA Psiquê e Negritude.
Como então é possível desenvolvermos individualmente uma autoestima mais equilibrada e saudável?
Por mais utópico que possa parecer, penso que isso só poderá ocorrer de maneira genuína, de dentro pra fora. Explorar as nossas particularidades, evitando os julgamentos e estimulando o afeto por quem somos, é um dos passos mais importantes para rompermos, ao menos parcialmente, com as imposições sociais de “perfeição”.
“O julgamento nos fragiliza, pois nos coloca em uma posição de inferioridade, enquanto o afeto nos dá base para criarmos novas perspectivas diante da responsabilidade de sermos o nosso Melhor.
Existe uma linha tênue entre a autoestima genuína e a autoestima frágil. Na autoestima genuína é possível que o indivíduo identifique, para além de suas falhas, o que realmente deve ser considerado uma falha, admitindo e administrando melhor suas inseguranças e tornando- se capaz de validar-se a partir da sua identidade ao gerar a possibilidade de reconhecer e enfrentar o impacto das imposições sociais em sua vida, compreendendo que, muitas vezes
este ponto, embora seja substancial em sua formação individual, não define quem ele é no todo. Por outro lado, na autoestima frágil este processo é bem mais complexo, já que, ao sermos forçados a um movimento de defesa constante, perdemos parte da capacidade de percebermos nossas vulnerabilidades, reagindo de maneiras padronizadas, que geralmente transitam entre comportamentos, ou de negação “Não sou assim” ou de autodepreciação “se não sou tudo, então não sou nada”.
Quando buscamos uma autoestima equilibrada, a consciência das nossas fragilidades, bem como o enfrentamento do que nos é imposto socialmente é tão importante quanto o reconhecimento que direcionamos as nossas forças. Porque no fim das contas, este equilíbrio se fundamentará no que sabemos e valorizamos em nós, não pela perspectiva da perfeição, inatingível que é, mas sim pela consciência de que ter alguém como você no mundo é bom e vale a pena!
Ilustração – Francesco Ciccollela.