Texto repostado do blog da Faber-Castell.
“A arte tem uma importância fantástica na articulação do conhecimento.” Essa frase de Paulo Freire me acompanha há anos, desde quando me deparei com uma entrevista de 1990 em que o ouvi dissertando sobre o assunto. De alguma forma, suas palavras ficaram comigo e foram inspiração para que eu pudesse expandir o diálogo sobre a potência da empatia e a força da diversidade por meio da arte e do lúdico. Daí surgiu Carlotas, uma empresa com propósito social, criada junto com a minha amiga e hoje sócia, Fabiana Gutierrez.
Antes de entrarmos na temática da arte no contexto escolar, é importante refletir sobre alguns pontos. Afinal, o que é a diversidade? Quando nos deparamos com essa pergunta, logo pensamos em diferentes raças e etnias, ou em grupos com orientações sexuais diferentes das nossas. Podemos estender esta conversa também para pessoas com deficiência, ou grupos etários, até mesmo a religião pode ser um determinante. Exercitando um pouco mais nossa imaginação, essa lista poderia se tornar infinita, como grupos de afinidade baseado no time de futebol, no bairro em que vivemos ou pela cor dos olhos, como no já conhecido experimento da Jane Elliott (Blue Eye vs Brown Eye Experiment).
“Costumamos ver a diversidade como algo externo a nós, enquanto que, na verdade, somos parte dela”
Todas estas ideias sobre o que é a diversidade não estão erradas, mas convido vocês a trazerem um olhar mais amplo para compreender que cada um de nós é a diversidade do outro. Costumamos ver a diversidade como algo externo a nós, enquanto que, na verdade, somos parte dela. Esse olhar para o tema caminha junto com a inclusão e o pertencimento, uma vez que somos todos e todas representantes de diversidades e não apenas aqueles(as) integrantes de grupos subrepresentados.
Desde que percebemos isso, Carlotas passou a se tornar um projeto para construção de ambientes sociais e educacionais mais inclusivos e humanizados, sempre por meio do lúdico e da arte. Para falar sobre pintura e desenho como ferramenta de transformação, vou lhes contar uma experiência que vivenciei nas primeiras oficinas ExploreCarlotas, em 2013.
Durante as oficinas, conversamos com crianças de diferentes faixas etárias, em escolas particulares, públicas e instituições de assistência. Para aquela atividade, distribuímos cartões-postais do “meu mundo perfeito”, com pinturas que preenchiam o papel em todas as direções (foto) e, juntos, giramos o cartão para procurar imagens “escondidas” ali. Eu contei que, naquele mundo, todos se respeitavam e apesar de haver discordâncias, prevalecia o respeito e a empatia. Passamos um tempo em roda conversando sobre os diferentes pontos de vista e como todos eles coexistiam em uma imagem. Depois, cada participante recebia um cartão-postal em branco e era convidado a desenhar sua versão do mundo perfeito. Eles podiam desenhar qualquer ideia, mas com um porém: não podiam usar a borracha.
Esse desafio trazia muitas emoções aos participantes e em todos os encontros havia protestos, entre as crianças mais novas tinha até choro e grito. O que nos chamou atenção na experiência foi que a maioria desses protestos vinham no começo da atividade, antes mesmo de qualquer erro acontecer. O pânico era tanto, que foi preciso explicar que a borracha é importante na aula de português ou matemática, afinal se eu escrever praça com “s” está errado e precisa apagar. Mas na arte isso não existe, quando o momento é de desenhar, pintar ou qualquer ação criativa, precisamos lembrar aos alunos e alunas que ali o erro não existe. Um traço que não saiu como esperávamos é a oportunidade de trazer algo novo, uma ideia que antes era inimaginável. E assim, de maneira lúdica, desmistificamos o erro como algo negativo e o transformamos em inovação.
“Um traço que não saiu como esperávamos é a oportunidade de trazer algo novo, uma ideia que antes era inimaginável. E assim, de maneira lúdica, desmistificamos o erro como algo negativo e o transformamos em inovação”
Para criar livremente, as crianças precisaram ultrapassar o medo de errar, o medo de não serem boas o suficiente, de não pertencerem. O que parecia “apenas” uma atividade artística, trouxe reflexões e mensagens profundas sobre aceitação, acolhimento e coragem – posturas fundamentais no desenvolvimento de ambientes de aprendizagem seguros emocionalmente. E daqueles cartões em branco, recebemos muitos “mundos perfeitos”. Cada um criou o seu e, independente da diversidade etária, social e geográfica, muitos representavam as mesmas ideias. Vimos muitos mundos feitos de chocolate e balas, super-heróis e princesas. Times de futebol também não faltaram.
Concluímos juntos que a perfeição é subjetiva, mas que se tratando de experiências humanas, todos(as) ali eram mais semelhantes do que imaginávamos. “A escola precisa diminuir os medos”, disse Paulo Freire naquela mesma entrevista que eu mencionei no começo deste artigo. E ele continuou: “É preciso ‘desneurotizar’ a escola, e para mim, a coragem da liberdade leva para isso.”
O trabalho de desenvolvermos o diálogo sobre diversidade na escola é um convite para falarmos de pertencimento, segurança psicológica e educação inclusiva, e isso fica mais tangível quando entendemos que todos nós somos parte das diversidades e que muitos pontos de vista existem, mesmo quando estamos olhando para o mesmo cartão-postal.