Era um dia de sol em Carlotas, a Cris se aproximava dos carros e a sua imagem refletia no vidro do motorista, eu a via insistindo para que abrissem e ouvissem o que ela tinha a dizer.
E quando o semáforo abria e ela retornava para a calçada, o seu olhar era de quem estava prestes a desistir! Ela abaixava a cabeça, respirava fundo e esperava pelo próximo semáforo. Quando a luz ficava vermelha, ela me olhava e eu retribuía com um sorriso que dizia “não desista”.
Cris se posicionou na faixa de pedestre e esperou que o primeiro carro se aproximasse, mas o motorista manteve certa distância e quando ela ameaçou seguir até sua direção ele fez com que o carro se movimentasse lentamente, até que o semáforo abriu e ele pode seguir ignorando o que ela tinha a dizer à ele.
Cris voltou para a calçada e sentou-se em uma pequena mureta. Eu me sentei ao seu lado, passei meu braço por cima dos seus ombros e lhe perguntei “dói mais ser invisível ou saber que quando estamos ao volante, temos a mesma atitude?”. Ela me olhou, fechou os olhos e respondeu colocando a mão na cabeça “os dois”.
O que eu, a Cris e outras dezenas de pessoas estávamos fazendo ali era distribuindo corações com mensagens positivas para qualquer pessoa que encontrássemos pela rua e principalmente nos semáforos, onde a indiferença e o preconceito se expandem com o medo ao desconhecido.
O semáforo fechou novamente mas antes que Cris se levantasse, eu pedi para ela ler o verso de um dos corações que estavam em suas mãos. Sorrimos um pouco, ela embaralhou como cartas de um baralho e escolheu um. Me entregou e pediu para eu lesse. Olhei o verso e li em voz alta <i?“a vida=”” é=”” curta,=”” mas=”” existe=”” o=”” amor=”” para=”” ser=”” infinito”<=”” i=””>.
– Uaaaaaaaauuuuuuu foi a nossa expressão.
Opa! Semáforo vermelho. Lá foi a Cris com o coração escolhido. Eu mirei a lente da câmera no reflexo dela no vidro do carro e foi então que a sua imagem foi lentamente desaparecendo e a imagem de uma mulher sobrepondo ao seu reflexo.
Enquanto a Cris estendia a mão e lhe entregava o coração, pelas lentes da câmera eu pude ver que a mulher estava com os olhos vermelhos de quem estava chorando. Percebi que a Cris lhe disse algumas palavras e logo ouvi outras pessoas gritando “abriu, abriu”. Sim, o farol agora estava verde. Elas se despediram, o vidro do carro subiu e a Cris voltou saltitante para a calçada e gritando “consegui, consegui” e não deixou de expressar sua percepção “ela estava chorando, o que será que aconteceu?” Respondi que talvez jamais saberíamos mas que “isso é fazer o bem sem importar a quem”.
Após alguns minutos fomos embora. A ação naquele dia havia terminado, ou não! Quando entregamos o coração, junto anexamos um cartão com informações das nossas redes sociais com a ideia de unir mais pessoas.
Ao final do dia, ao chegar na minha casa, fui verificar os e-mails e lá encontro uma mensagem que dizia:
– Olá! Hoje pela manhã, tive um dia muito triste, talvez o mais triste da minha vida, eu chorava muito e ao parar no semáforo, uma moça veio em direção ao meu carro, insistiu para eu abrir o vidro e algo me disse “apenas ouça o que ela tem a dizer e responda que hoje não pretende comprar nada”, mas para minha surpresa a moça me entregou um coração e disse “é só um presente para você sempre acreditar no amor”. Eu agradeci e segui meu caminho. O que a moça não sabia era que tinha acabado de sair do hospital para levar a notícia às minhas filhas que havíamos acabado de perder a vovó e que teríamos dias mais tristes, porém, ao chegar em casa, sentei com minhas duas filhas e antes de contar sobre o falecimento da avó, eu contei a história do semáforo e li para elas o verso do coração “a vida é curta, mas existe o amor para ser infinito”.