No Mês de Prevenção e Combate ao Bullying, tive o prazer de participar de uma conversa sobre Empatia e CyberBullying com Tito Martins e Luis Fernandes, do Miúdos Seguros da Net. Assista o vídeo aqui.
Segundo a Unesco, em 2018, 150 milhões de crianças sofreram bullying e, uma pesquisa da Ipsos, aponta que o Brasil é 2º pais com mais casos – com 29% dos entrevistados fazendo tal afirmação – ficando atrás da Índia, que tem índice de 37%.
Ouço muitas vezes alguns adultos dizerem que “na sua época, também tinha esse tipo de brincadeira mas não tinha todo esse mimimi.” É importante esclarecer alguns pontos:
1. Brincadeira é quando todos se divertem. Se uma criança / adolescente – ou mesmo um adulto – não gosta do comentário, apelido, brincadeira, não deve ser feito. Estamos falando de respeito.
2. O bullying é caracterizado por atitudes (xingamento, tratamento, agressões verbais ou físicas) sistemáticas de uma ou mais pessoas para com um indivíduo ou grupo.
Dessa maneira, se os adultos de hoje toleravam ter apelidos ou entrar em brincadeiras de mau gosto, é problema de cada um. Antigamente não usávamos cinto de segurança e era permitido fumar em local fechado. Percebe a diferença? Os tempos mudaram e seguem mudando mas respeito é fundamental.
Somos seres sociáveis desde os tempos das cavernas – eu sei, às vezes me custa a acreditar também. Começamos a nos comunicar por histórias, sinais, registros, cartas e, passaram-se milhares de anos com evoluções lentas na forma como nos comunicamos e interagimos.
A grande questão é que nos últimos 100 anos, as ferramentas deram um salto mas nossa evolução emocional não acompanhou a tecnológica. Em 50 anos, o telefone ganhou 50 milhões de usuários; a TV, em 22 anos, conquistou a mesma marca; os computares fizeram isso em 14 anos; o Youtube, em 4 anos; e o Facebook, em apenas 3 anos. Porém, emocionalmente ainda continuamos com os mesmos dilemas: sermos amados, reconhecidos, úteis, elogiados e nos sentirmos livres .
Segundo um estudo de Harvard, as competências socioemocionais são responsáveis por 3 em cada 4 demissões, o que significa que não adianta ter habilidades técnicas. Precisamos aprender a nos relacionar enquanto seres humanos.
Somada a nossa clara dificuldade em nos relacionar, o comportamento digital agravou os desafios de relacionamento interpessoal. Com a internet, tudo é mais rápido e nos ilude quanto a perenidade. Embora um escândalo sobreponha outro, os rastros ficam. Na internet, tudo é multiplicado e é para sempre.
A internet trouxe o conceito de nuvem, que é algo que eu vejo mas não pego. O que era físico e material – portanto real – se transformou em alguma coisa que eu não sei bem onde está, que “se apaga da minha tela” e, por isso, acho que não é real. Isso se agrava por eu não ver a reação do outro diante do meu comentário ou mensagem. Fica fácil eu ter coragem de dizer tudo que penso sem precisar olhar no olho da outra pessoa. Os adolescentes, em especial, estão com dificuldade de lidar com o “real”. Passam horas nos chats e não conseguem se encontrar e conversar. Apagar um post indesejável ou um comentário mal colocado traz a ilusão de que está tudo bem, a pessoa não se ofendeu ou se magoou com o que foi dito, assim como as fotos e vídeos compartilhados. No entanto, o impacto é real sim. Não é porque não se vê mais a mensagem ou foto ou está armazenado “nas nuvens”, que não aconteceu de verdade.
E é nesse ponto que entra a empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro, me conectar com ele e reconhecer nesse outro um pouco de mim.
Volto a citar o livro The Science of Evil , de Simon Baron-Cohen, que traz justamente essa perspectiva do quanto nos distanciamos do outro, anulando tudo que possa nos conectar com ele para que possamos cometer atos de desrespeito e violência. Porque se vemos o menor sinal de humanidade no outro, isso vai nos pesar, ainda que optemos por agir mal com ele de alguma maneira.
Parte do que alimenta isso, o comportamento que cultivamos de que só consigo me sentir bem e ser aceito se “tenho” – posses, objetos, determinadas características – ou se diminuo e controlo o outro. Acabamos ensinando às crianças que elas têm que se enquadrar de alguma forma para serem aceitas, abrindo mão da sua individualidade e de si mesmas, fragilizando sua autoimagem, autoestima, confiança e abrindo espaço para se submeter a pedidos absurdos como jogos e desafios que colocam em risco a integridade física e moral delas.
Sim, os tempos mudaram e, assim como aprendemos a usar a tecnologia, temos que atualizar nosso software emocional e comportamental. Se alguém se sente prejudicado ou fica magoado, não é brincadeira.
Os responsáveis – todos: criança, adolescente e responsáveis – devem ser envolvidos logo no início porque somente assim podemos entender se há algo mais sério para trabalhar com essa criança. Mesmo não havendo nenhum outro problema, sendo apenas algo pontual, é fundamental que estejam cientes para poder ajudar. Em muitos casos de bullying, o agressor é vítima de alguma outra agressão e deve ser acolhido e ajudado também.
“Punição não é algo que efetivamente ajuda a criança a entender. Trabalhar as questões sociais, a amizade, o respeito e, principalmente, a empatia é crucial para a real transformação do comportamento.
Do contrário, ela não vai entender as consequências das suas ações, apenas terá medo de ser punida. Assim, em uma oportunidade que não vislumbre a punição, voltará a se comportar dessa maneira.
O estímulo do desenvolvimento das competências socioemocionais e da cidadania são importantes ferramentas para trazer a consciência do coletivo, da cooperação e do respeito e ajudar a minimizar atitudes hostis entre eles.