Women’s March: um movimento pela empatia
Não se deixe enganar pelo nome ou pela organização do movimento que mobilizou milhões de pessoas no sábado, dia 21 de janeiro: a Marcha das Mulheres vai muito além do sexo feminino. Muito além de um cromossomo diferente que um dia nos separou, a discussão agora transcende o limite de gênero, raça, idade, condição social e todas as possíveis categorias que um dia usaram para nos definir. Chame-me de otimista, mas parece que estamos finalmente entendendo que se unir, aceitar e respeitar é a única opção na construção de um novo mundo.
Em novembro de 2016 assisti de perto à vitória de Donald Trump pelo sistema eleitoral americano: os votos que importam são os dos colégios eleitorais e suas respetivas representatividade, um método complicado, difícil de entender e de explicar. Depois de um 2016 intenso na política brasileira, achei que estaria mais preparada para o sentimento de descrença que tomou Nova York nos dias que se seguiram, mas a verdade foi difícil de engolir.
Não acho que Trump seja capaz de cumprir todas suas loucas promessas de campanha, confio no sistema e prefiro acreditar que ainda não estamos vivendo o apocalipse. O que mais me incomoda, porém, é que ele ter ganho representa, portanto, a vitória de seus valores: o preconceito, o machismo, a xenofobia, a exclusão, a homofobia, entre tantos outros. Um homem que chama seu oponente de “nasty woman” ao vivo, em televisão aberta e ainda assim é eleito, passa uma mensagem muito clara de que tudo bem ser assim, as coisas continuam dando certo para você. Mas eu me recuso a acreditar nisso. E pelo visto, eu e mais milhões de pessoas.
Não muito tempo depois surgiu o evento nas minhas redes sociais: Women’s March in Washignton DC. Que incrível, mulheres do país inteiro se encontrariam na capital um dia depois da posse de Trump para mostrar que não estava tudo bem. Já seria histórico e maravilhoso se fosse só isso, mas o que vimos foi uma das maiores e mais bonitas manifestações da história: mulheres, homens, transgêneros, adultos, idosos, crianças, religiosos, ateus, enfim, seres humanos, juntos, tomaram as ruas das maiores cidades do mundo para mostrar que iniciávamos juntos uma longa caminhada. Eu não estava mais sozinha, e descobri que nunca estive.
Minha marcha foi em Nova York, cidade que deu à Trump apenas 60 mil votos (a ilha tem 1,7 milhão de habitantes). Sabia que seríamos grande, mas não sabia o quanto. Ainda no metrô já se podia ver um público incomum para uma manhã de sábado e bastou sair na Grand Central Station para se ter uma pequena noção da magnitude daquilo que estávamos criando.
Eu poderia ficar dias falando sobre tudo que vi e vivi ao sair às ruas de Midtown, e nem assim seria suficiente. Éramos mulheres, muitas, levando nossos cartazes e nossos pussyhats. Éramos também senhoras e senhores, que já tinham visto e vivido muito mais do que eu, talvez marchado por motivos semelhantes anos antes e que, mesmo já fisicamente cansados, vieram marchar de novo. Éramos bebês e crianças, alguns ainda de colo, outros já carregando cartazes com seus próprios dizeres, que mesmo sem entender, estavam lutando pelo mundo que querem viver.
Éramos gays e transexuais, que tiveram, e ainda têm, de lutar muito para serem simplesmente respeitados e concedidos seus direitos mais básicos. Éramos imigrantes, que viram nos Estados Unidos uma terra de oportunidades e temiam mais do que nunca perderem todos os sonhos que estavam construindo. Éramos negros, que não acreditam que seja possível separar pessoas pelo tom de pele. Éramos religiosos, que mais do que acreditar em um diferente Deus, acreditamos em seres humanos e no direito de sermos quem somos.
Éramos 500 mil, ocupando o espaço público que é sim, nosso. Em Washington, éramos 400 mil. Em Los Angeles, éramos 750 mil. Éramos milhares, somos milhões. Não era uma marcha apenas pelas mulheres, é um movimento pela empatia. Pela liberdade e pelo respeito ao próximo e a mim mesmo, pelo direito de sermos quem quisermos e podemos ser, nas nossas melhores versões, com erros e acertos.
Um dos cartazes da passeata agradecia Trump por ter despertado em todos nós verdadeiros ativistas. Talvez se ele não tivesse sido eleito não teríamos nos mobilizado e nos unido como fizemos. E talvez ainda achássemos que estamos sozinhos. Mas se tem uma coisa que aprendi naquele fim de semana foi que nunca estivemos. Eu demorei 5 horas para atravessar 5 quarteirões em Manhattan, e o poderia ter feito em não mais do que 15 minutos. No entanto, é como diz o provérbio africano: se quiser ir rápido, vá sozinho. Mas se quiser ir longe, vá em grupo. E nós vamos muito, muito longe. Vem comigo?