Fabiana Gutierrez é cofundadora do Carlotas, uma iniciativa que promove o diálogo sobre respeito e em empatia com o objetivo de ajudar as pessoas a viverem melhor. Nesta entrevista exclusiva, ela fala sobre o jogo “Baleia Azul”, que incentiva os jovens a praticarem atos nocivos à saúde, e sobre problemas como bullying e depressão.
Qual é a diferença entre brincadeira e bullying?
Acho importante começar por um ponto básico: se alguém se sente prejudicado ou fica magoado, não é brincadeira. Bullying são atos (brincadeiras, atitudes, falas) intencionais e repetidas direcionadas a uma pessoa, que pode ou não estar em uma posição mais fragilizada, e causa danos físicos e/ou psicológicos. Assim, vale ressaltar que as agressões não precisam ser apenas físicas. Muitas vezes o dano psicológico causado é tão grande que leva a quadros sérios de depressão ou qualquer outra sequela emocional.
Brincar é saudável e deve ser estimulado. Rir de si mesmo ou de alguma situação é um excelente exercício de flexibilidade, resiliência e superação. Mas a linha tênue entre brincadeira e bullying está justamente em algo chamado respeito. Se uma brincadeira for infeliz e houver o respeito, ela acaba na mesma hora e não se repete.
Uma pesquisa feita pelo PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) mostrou que 18% dos jovens brasileiros sofrem com bullying. O que as escolas podem fazer para evitar que os alunos sofram com as provocações?
Muitas vezes o que está por traz do bullying é um problema com a criança que o faz. Ela pode ter sido vítima também de bullying ou de qualquer outra agressão, ou pode ainda estar tentando mascarar alguma insegurança. Tornar o outro fraco é uma estratégia que, infelizmente, muitos usam quando não se acham fortes ou bons o suficiente em algum aspecto.
Dentro do ambiente escolar, é importante ficar atento aos comportamentos que destoam, as queixas abertas, mas principalmente ao que não é dito. Porque é justamente aquele que não consegue dar voz ao seu desconforto que será alvo dos ataques. Em um trabalho de parceria, o problema tem que ser endereçado aos responsáveis pela criança ou adolescente para estabelecer a melhor forma de resolvê-lo.
O que acontece na maioria das vezes são broncas, advertências ou qualquer forma de punição, até os responsáveis serem envolvidos. E aqui destaco dois pontos importantes para mim:
1. Os responsáveis devem ser envolvidos logo no início porque somente assim podemos entender se há algo mais sério para trabalhar com essa criança. Mesmo não havendo nenhum outro problema, sendo apenas algo pontual, é fundamental que estejam cientes para poder ajudar.
2. Punição não é algo que efetivamente ajuda a criança a entender. Trabalhar as questões sociais, a amizade, o respeito e, principalmente, a empatia é crucial para a real transformação do comportamento. Do contrário, ela não vai entender as consequências das suas ações, apenas terá medo de ser punida. Assim, em uma oportunidade que não vislumbre a punição, voltará a se comportar dessa maneira. O estímulo do desenvolvimento de habilidades socioemocionais e cidadania são importantes ferramentas para trazer a consciência do coletivo, da cooperação e do respeito e ajudar a minimizar atitudes hostis entre eles.
Muitos adolescentes estão entrando no jogo da Baleia Azul. Que cuidados os pais e professores devem ter para evitar que os jovens entrem nessa “brincadeira”?
A dimensão que ganhou esse “jogo”, para mim, está relacionada a diversos fatores e não adianta combater apenas o jogo, mas sim analisar, entender e agir sobre as causas que levam tantos jovens a entrarem nele. Hoje é a baleia azul, amanhã é outro animal, outra cor ou outra criatura fantástica. Não importa o nome dado, se o problema raiz não for endereçado. Parte desse problema é a cultura de bullying e desrespeito na qual eu só consigo me sentir bem e ser aceito se “tenho” – posses, objetos, determinadas características – ou se diminuo e controlo o outro. Acabamos ensinando às crianças que elas têm que se enquadrar de alguma forma para serem aceitas, abrindo mão da sua individualidade e de si mesma, fragilizando sua autoimagem, autoestima, confiança e abrindo espaço para se submeter a pedidos absurdos como os desse jogo.
Outro ponto que preocupa é a forma como as pessoas estão lidando com a tecnologia. Muitos dos pais e responsáveis estão aprendendo a usar essas ferramentas e não conseguem ajudar as crianças a usá-las de forma adequada. A tecnologia tem diversos pontos positivos, eu pessoalmente sou a favor. Porém, há questões de segurança e de comportamento. Tablets e smartphones se tornaram babás eletrônicas, dificultando o diálogo familiar. Dentro dessa cultura de ter, a criança que não tem o seu celular ou tablet é excluída
Matéria publicada no Jornal Joca