eche os olhos e pense em você com 13 anos. Veja-se na sala de aula, lembre-se da mesa que você ocupava, sinta o cheiro de livros e de giz. Você está na 7ª série e todos os seus/suas colegas estão presentes na cena. Perceba se entre eles/as há alguém com uma habilidade que o/a destaca dos/as demais: uma pessoa muito boa em esportes, dança, matemática e/ou português. Observe se há um/a colega com talento para liderança, desenho e/ou outras artes. Lembre-se daqueles/as alunos/as que causam “problemas”, tem dificuldade de permanecerem sentados/as e aqueles/as com dificuldade de aprendizagem. Talvez você seja um/a destes/as estudantes com talento ou dificuldade. Agora, pense se havia algum programa especial para acolher, incentivar e desenvolver as habilidades dos/as estudantes com potencial elevado em sua escola. Eles/as eram compreendidos/as? Eram incluídos/as? Ou eram marginalizados/as?
Estima-se que cerca de 5% de cada população tenha altas habilidades. Segundo o Ministério de Educação (MEC), há mais de 47 milhões de alunos na educação básica, levando a crer que cerca de 2,3 milhões de estudantes tenham algum tipo de altas habilidades ou superdotação. Porém, no Brasil há apenas 24.424 alunos identificados, de acordo com o Censo Escolar 2020. Essa enorme lacuna deixa muitos/as estudantes com potencial elevado na invisibilidade, causando sofrimento emocional e psicológico para as crianças e jovens, suas famílias, escolas, comunidades e sociedade. Por vezes, a dor é tão grande que eles/as pensam que seus talentos são castigos, deixam de frequentar a escola e até cometem suicídio. A situação é ainda mais preocupante quando falamos sobre meninas, pois a questão de gênero e suas representações impedem muitas jovens de serem identificadas com altas habilidades e impactam diretamente suas vidas. Outro fator que interfere no número de identificados é a idade, são raros os/as estudantes universitários/as identificados/as com superdotação.
Quando falamos de altas habilidades estamos nos referindo a pessoas que apresentam grande facilidade de aprendizagem, dominam conceitos rapidamente e tem talento acima da média em uma ou mais áreas do conhecimento: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Demonstram grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. Minhas experiências com jovens com altas habilidades de escolas públicas no Paraná nos últimos dois anos, me fizeram perceber que eles/as são muito empáticos/as, sensíveis e curiosos/as. Há uma série de mitos e preconceitos sobre os superdotados, entre eles: todo superdotado é um gênio; todo superdotado deverá apresentar resultados acima da média em tudo que fizer, deverá ter bom êxito em todas as disciplinas escolares; o superdotado sempre apresentará bom desempenho na escola; não existe confusão entre AH/SD e Transtornos (TDAH, TEA, TA); e pessoas com superdotação provêm de classes socioeconômicas privilegiadas.
Atualmente, o maior desafio é identificar precocemente os/as alunos/as superdotados/as e oferecer atendimento adequado para desenvolver suas potencialidades. Há leis que garantem o direito ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) e gratuito aos/as estudantes com altas habilidades, como a nº 12.796, de 4 de abril de 2013, que assegura “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino“, mas na prática nem sempre este acompanhamento apropriado é ofertado.
Parece um contrassenso que alunos/as superdotados/as precisem de atendimento especializado, pode-se entender que o talento deste/a estudante já é um privilégio e que assisti-lo/a com atividades gratuitas no contraturno seja desnecessário. No entanto, é essencial que os/as alunos/as com altas habilidades sejam amparados/as e estimulados/as apropriadamente, pois embora exista potencial elevado, este precisa ser estimulado e desenvolvido para se tornar uma competência. É urgente que nossas escolas e sociedade deem condições e espaço para desenvolver as potencialidades destes/as alunos/as.
Está mais do que na hora de trazermos luz para esse assunto, compreendermos a diversidade como riqueza e dar voz para as crianças e jovens com altas habilidades. Pais, mães, responsáveis e professores/as têm papel fundamental na identificação de portadores de altas habilidades, através a observação do comportamento e interesses da criança é possível notar os sinais que convidam à investigação. A partir disso, é necessário encaminhá-la para especialistas que reunirão evidências e realizarão uma série de testes para chegar a um parecer, incluindo testes de QI e outras habilidades. A construção de ambientes saudáveis e acolhedores, escuta ativa e empática e condições para o desenvolvimento pleno de crianças e jovens é dever de todos.
Sei que essa postura incentivará nossos/as talentosos/as estudantes alçarem voos surpreendentes que impactarão positivamente toda a sociedade.
Referências
BRASIL. Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, abr. 2013. Disponível aqui. Acesso em 29 mar. 2022
EQUIPE EDUCAMUNDO. Reconhecendo uma criança com altas habilidades/superdotação? Belo Horizonte, out, 2019. Seção Educação. Disponível aqui. Acesso em 29 mar. 2022
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo da Educação Básica 2020: notas estatísticas. OLIVEIRA, A.C.A.R.; ALVES, A.J.; MOARES, G.F.; OLIVEIRA, E.A. Os desafios da formação docente para o reconhecimento dos alunos com altas habilidades/superdotação. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v.7.n.9. set. 2021. Disponível aqui. Acesso em 29 mar. 2022
*Imagem da capa: Robo Wunderkind via Unsplash.