Liderança começa em casa. As vivências e as relações que estabelecemos com quem cuida de nós na infância e na adolescência marcam profundamente a forma como lidamos com as pessoas na vida adulta.
A ligação que se faz entre o sistema familiar e as estruturas organizacionais não é nova. Os padrões familiares de comportamento, o papel de cada membro, a função dos sintomas na família e a mediação de conflitos entre irmãos são alguns exemplos de como as experiências da infância influenciam a nossa vivência nas instituições – sejam elas escolas, empresas, ONGs ou startups. Muitas vezes não nos damos conta de que um incômodo, um determinado sentimento ou uma dificuldade específica que temos no trabalho foram ativados por lembranças adormecidas de situações familiares antigas.
Durante mais de 15 anos atuei como psicóloga clínica. Além de atender crianças, adolescentes e famílias, tive a oportunidade de acompanhar profissionais de diferentes áreas. Era recorrente o sofrimento relatado por estas pessoas com relação aos chefes e pares. Competição, experiência ruim de ser liderado e relação com autoridade eram alguns dos assuntos que apareciam com frequência.
A Constelação da Liderança
Para entendermos de forma mais ampla e sistêmica as origens da capacidade de liderar sugiro o conceito de “Constelação da Liderança”– uma nova organização mental formada por um conjunto de habilidades, preocupações, atitudes e sentimentos que surgem quando uma pessoa é colocada numa posição de liderança- seja pela primeira vez ou não.
Assim como na maternidade e na paternidade, ao assumir a posição de líder também somos lançados em uma dimensão única que nos impõe desafios inéditos para exercer este papel. Novos sentimentos, atitudes, mecanismos de defesa e estratégias psicológicas são ativados em nós. Por isso, se investigarmos cuidadosamente esta nova dimensão, estaremos mais preparados para liderar e/ou formar líderes auto-conscientes e capazes de serem de fato pessoas inspiradoras. Existem alguns temas que compõem a Constelação da Liderança. Destacarei três deles:
>> AUTOBIOGRAFIA: análise da relação com figuras de autoridade e pares na infância, do ambiente familiar (autoritário X democrático e horizontal), das expectativas que eram colocadas em você, do tipo de comunicação entre os membros da família (competição X parceria) e do tipo de brincar que mais exercia (ousado, arriscado, em grupo, sozinho, cauteloso, etc..).
>> NOVA IDENTIDADE: construção da nova identidade para liderança. Avaliação das relações atuais com figuras de autoridade (chefes, professores), investigação do que significa “ter poder” para você, pesquisa dos talentos e pontos a desenvolver neste novo papel, percepção da capacidade de se conectar com os seus colaboradores e ser visto como “um de nós” e exercício da autenticidade. Aplicação deste novo conjunto de habilidades e valores. Construção das melhores maneiras de exercitar suas novas habilidades para liderar.
>> APOIO: Reconhecimento da necessidade de apoio. Análise do nível de solidão vivenciada pelo líder. Ativação de uma rede de apoio robusta e de estratégias de proteção psicológica para exercer a jornada emocional para liderar.
No texto “The CEO moment: Leadership for a new era”, publicado no McKinsey Quartely (2020), os autores exploram quatro mudanças importantes na maneira que os CEO’s estão liderando diante da pandemia. Uma delas é “elevar a lista do ‘ser’ ao mesmo nível da lista do ‘fazer’ nos seus modelos de operar”. Neste sentido, a dimensão do “ser” está ligada ao autoconhecimento, valores humanos, credibilidade, confiança e maneira como o líder se coloca e trata os outros. O exercício da avaliação autobiográfica é um dos primeiros passos para traçar a lista do “ser”. Outra mudança revelada pelo artigo da McKinsey é “aproveitar a potência da rede de pares de CEO’s”, o que mostra a importância do apoio no processo de liderar – terceiro tema da constelação da liderança.
É fundamental formarmos pessoas que compreendam a constelação da liderança como um caminho potente para ajudar na transição e consolidação desta nova condição. Desta forma, ajudaremos a desenvolver “líderes suficientemente bons” (tomando emprestado o conceito de “mãe suficientemente boa” do pediatra inglês Donald Winnicott), capazes de falhar e ao mesmo tempo atender às necessidades dos seus colaboradores de forma humana e real.
Inovadora, horizontal, autêntica, futurista, compassiva, empática, humana, sustentável, ética, inclusiva, facilitadora, digital, ambidestra e feminina. Todos estes adjetivos usados para descrever a capacidade de liderar em tempos de transformação demandam consciência emocional e análise da constelação da liderança. Muitas vezes os momentos de crise na infância representam saltos no desenvolvimento. Igualmente, as transformações pelas quais estamos passando também se tornam catapultas únicas de crescimento e conquista de um novo patamar para se tornar um líder que inspira, serve como porto seguro e dá esperança para as pessoas.
Referências:
Stern, D. (1995) The Motherhood Constellation: a unified view of parent-infant psychotherapy. Karnac Books. London
Dewar, C., Keller, S., Sneader, K., Strovink, K (2020) The CEO moment: Leadership for a new era. McKinsey Quartely
*Imagem da capa: Harmen Jelle van Mourik via Unsplash.