Lita é nova em Carlotas. Veio de outro mundo onde se fala diferente de quem mora aqui. Impossível não perceber que o “s” dela parece um “x” e o “r” é arrastado. Ela, por sua vez, repara quando alguém está falando e o “s” parece de cobra, e o “r” parece uma britadeira, ou às vezes o “r” tem som enrolado que parece que a língua deu um nó.
Um dia na escola, passados alguns meses vivendo na sua nova casa e ainda com sotaque, perguntou às amigas sobre o aniversário do Daniel, que seria naquele sábado: “quem vai de ônibux para a feixta?”. As amigas logo começaram a rir: “que máximo seu jeito de falar, repete?!”, “Fala: o rato roeu a roupa do rei Romão”. Lita amarrou a cara, não só não foi levada a sério, como as amigas não responderam sua pergunta. “Quer saber, vou de ônibuix sozinha” – pensou a menina.
Voltou para casa e resolveu, aos oito anos de idade, que ia perder o sotaque. Foi treinando e em pouco tempo já falava como quem morava lá há anos.
Na semana seguinte, encontrou as amigas na sorveteria, cumprimentou-as e disse que estava tomando “um sorvete muito gostoso de damasco”. As meninas deram um pulo e gritaram: “Lita, para onde foi o seu sotaque???”. Ela explicou que queria ser levada a sério e não queria que zombassem de seu sotaque.
As amigas ficaram chateadas com o efeito que o comentário do outro dia tinha causado e se apressaram em explicar que tinham lhe pedido para repetir a frase porque era lindo seu sotaque, um verdadeiro deleite para os ouvidos! Afinal, “o que é diferente é mágico e o incomum é encantador.” – afirmou uma delas já com os braços ao redor dos ombros da Lita.
Queremos que você fale como for natural para você, e desculpa se nossa risada lhe pareceu deboche!”.
Lita voltou para casa pensando naquilo. Seu sotaque poderia ser uma forma de começar conversas e fazer novos amigos. Além disso, seria uma forma de respeitar suas origens e manter vivo um pouquinho da sua terra natal dentro de si, enquanto ela ainda está se adaptando a Carlotas e à nova cultura local.
Depoimento da Talin Proudian, criadora do personagem:
“Lita é baixinha, meio cheinha, tem muitos cabelos muito cacheados e um sorrisão. Igual a mim, que vivi na pele essa história e hoje sei que perder o carioquês deveria ter sido algo espontâneo e não uma ruptura dolorida. Entendi também que comentários sem maldade alguma podem ter efeitos devastadores na vida do outro e que tato e empatia são os fundamentos de qualquer laço, seja de amizade, de amor, familiar, profissional e assim por diante. Este, para mim, é o maior recado de Carlotas.”