Luna vive no mundo da lua. Na escola, gostava das aulas de história e língua portuguesa e tirava sempre as notas mais altas da turma. No recreio, não ia lá fora, passava o tempo conversando com os colegas de sala e comendo as delícias que trazia na lancheira.
Era quando ficava sozinha, porém, que Luna fazia o que ela mais gostava: passava horas e horas pensando sobre as coisas da vida, o que ainda ia acontecer, quem ela ia conhecer, quais dos amigos da escola que ela ia continuar sendo amiga quando fosse adulta ou como seria sua vida se ela tivesse nascido em outro lugar e tivesse outros amigos. Distraída, via os dias passar mergulhada no seu próprio universo, dentro de todos aqueles pensamentos inventados.
O tempo passou e Luna cresceu. Ela não só aprendeu a cozinhar mas como cultivou uma paixão pela culinária! E adivinhe, virou uma cozinheira de mão cheia, especialmente quando se tratava de doces. O que ela mais gostava de fazer, porém, eram tortas. Tortas das mais lindas, saborosas, macias por dentro e crocantes por fora, recheadas e decoradas. Ela abriu uma TORTARIA e todo mundo em Carlotas vinha admirar a beleza da vitrine da loja de Luna, sem falar no cheirinho! Pena que não da para passar cheiro pela tela, porque aqui o cheiro de amora está de encher a boca d’água.
Entretanto, Luna não era completamente feliz. Todos os dias na cozinha, ela fazia e jogava fora dezenas de tortas porque nunca achava que elas estavam boas o suficiente. Se o recheio pulava para fora ou a massa não ficava no ponto certo, iam direto para o lixo. Quando tentava de novo e alguma coisa desandava, seus olhos enchiam de lágrimas e ela recomeçava o processo.
E assim era a vida de Luna. Passava seus dias frustrada na cozinha, nunca aceitando menos que o perfeito para sua vitrine de tortas. Aos poucos, a quantidade de tortas que passavam no seu padrão de qualidade foi diminuindo, ou será que foi o padrão de qualidade que aumentou? Eu não sei dizer, mas sei que com o tanto de torta que ela desperdiçou a loja começou a sofrer financeiramente. Chateada, ela estava prestes a fechar as portas quando sua avó foi lhe salvar:
– Luna, por que a sua loja que tem as tortas mais bonitas da vizinhança, está com dívidas? Tem sempre um monte de gente aqui na frente admirando sua vitrine. Até a Dona Beta me disse que você é um talento que ela nunca viu igual!
Luna, que confia muito em sua avó respondeu muito sincera:
– Ora vovó, pois eu amo tanto minhas tortas que quero elas sempre perfeitas. Não gosto de errar e jamais colocaria na vitrine uma torta com o recheio vazando.
– Pois bem, vamos fazer um teste. Por um dia, vamos pôr todas as tortas que você jogaria fora à venda na loja e ver se as pessoas comentam alguma coisa. Caso elas não estejam satisfeitas, nós voltamos ao seu plano de fechar as portas.
E assim fizeram. No dia seguinte, Luna e sua avó se divertiram na cozinha, fazendo as tortas que sempre quiseram e Luna tinha medo de não acertar. As duas criaram sabores e coberturas novas, inventaram formatos e texturas. À noite, quando voltaram ao caixa, encontraram a loja inteiramente vazia. Assustada, Luna perguntou:
– Meu Deus, o que aconteceu? As tortas sumiram! Será que alguém jogou tudo fora? Pode ser, porque estavam imperfeitas. Ou será que algum guaxinim entrou aqui e comeu tudo?
Sua avó, com um sorriso acolhedor, lhe olhou dentro dos olhos e respondeu:
– Luna, todas as tortas foram vendidas e os clientes as deliciaram assim mesmo, não sobrou nenhuma. Usamos todos os pratos e sem tempo de lavar tivemos que usar guardanapo e comer na mão! Ninguém percebeu nenhuma diferença nas tortas um pouco tortas, pois a perfeição estava apenas nos seus olhos, para todos nós elas sempre foram maravilhosas.
E já segurando a neta em um forte abraço ela continuou – Mais do que tudo isso, você faz suas tortas com amor e tudo que é feito com amor é bem feito. Quando alegria é o principal ingrediente, o resultado só pode ser perfeito.
Desse dia em diante, Luna voltou a se divertir fazendo suas tortas, inventando novos sabores e decorações e a loja voltou a ser um negócio de sucesso. Ela entendeu que o perfeito é relativo e, acima de tudo, não se faz necessário sempre. As tortas um pouco tortas passaram a ser parte da sua vida, e desse dia em diante, Luna foi feliz.
* Esse conto é uma homenagem à minha avó, que se ainda estivesse aqui me lembraria todos os dias do quão perfeita sempre fui aos seus olhos.