Esta é a Norma, uma mulher simples, corajosa e delicada.
Norma teve a sorte de nascer num vilarejo desses de interior. Ela sabia as horas pela posição do sol, do cantar dos pássaros e das cigarras. Andar descalça a deixava feliz, pois podia sentir o calor do chão sob seus pés. Tinha uma coleção de vestidos leves e coloridos, costurados pela sua avó. Seus cabelos cacheados e escuros estavam sempre presos por um galho de flamboyant.
Norma adorava aulas de história e geografia porque sonhava com o mundo além daquela vida pacata que levava. Gostava de ir ao cinema para ver filmes estrangeiros e aprender outras línguas, pra poder conversar com o menino que vinha da Irlanda! ” Ah, a Irlanda!
Como seria o sol por aquelas bandas?
Foi pesquisar na Internet. Descobriu que na Irlanda tem mais dias de chuva do que de sol e que a música típica vem de uma cultura milenar, a dos Celtas. Adorava descobrir coisas sobre os povos e suas tradições ao redor do mundo.
Norma concluiu seus estudos, inscreveu-se num programa de au pair, fez as malas e foi ver o sol nascer no hemisfério norte.
Logo ao chegar no aeroporto da Inglaterra para fazer conexão, foi confrontada com seu primeiro desafio. Não falava inglês o suficiente para explicar no controle de passaporte o que tinha ido fazer lá. Um momento de insegurança, pois nem seu sorriso mais maroto e sincero, que sempre garantia um descontinho na venda do Seu Manoel, quebrava o gelo daquele policial federal inglês. “Os ingleses são um povo muito frio. Que má vontade!”, pensou ela.
No início, tudo era diferente e mágico. Ela estava fascinada em conhecer a história do velho continente ao vivo e a cores. Quando encontrava pessoas interessadas em conversar, já ia logo dizendo, “sou Brasileira” , e ouvia: “que legal, o país do carnaval…” . Ela se decepcionava, pois como nunca havia ido sequer a um baile de carnaval, não queria ser identificada com sabalelê. Aos poucos foi percebendo que as pessoas tinham o costume de simplificar as coisas e ficar em sua superficialidade. Assim como ela fez com o policial no aeroporto. Como Norma não dominava a língua, não conseguia mostrar sua essência e ir a fundo nas ideias que a interessavam. Às vezes passava aperto, pois não conseguia nem encontrar o banheiro mais próximo.
Cobriu os vestidos leves e coloridos com casacos emborrachados e botas de chuva – sua proteção. Já não sentia mais o chão quente com seus pés. Um período difícil, em que não podia contar sua história, pois tinha que escrever um novo capítulo no livro de sua vida.
Pergunta da surpresa do Newsletter: Na sua opinião, qual seria a primeira coisa que chamaria a atenção da Norma, se ela viesse viver na Alemanha?
No entanto, o tempo passou e apesar dos tantos “nãos” que estava enfrentando, a vida lhe deu de presente muitos “sins”. Norma aperfeiçoou seu inglês, fez novos amigos e experimentou novos pontos de vista. Percebeu então que era feliz naquele novo cenário. Trocou o canto dos pássaros pelas baladas do sino da igreja para saber as horas. Adaptou-se. Aprendeu muito, principalmente sobre seus limites, suas emoções e sua capacidade de seguir em frente, apesar das barreiras em seu caminho. Sentia falta dos galhos pra prender seus cabelos, mas aprendeu a dar valor ao gorro que esquentava suas orelhas.
Já não era mais a mesma. Amadureceu e deixou de ser a frágil menina do interior para se tornar uma mulher forte e vencedora, pois as normas ali, eram outras.