“É preciso um vilarejo, uma aldeia, um quilombo inteiro para se educar uma criança”.
Esse pequeno provérbio africano reflete e reverbera em nosso pensamento.
Somos a rede de apoio de alguém e provavelmente contamos com uma rede de apoio, pois as relações são pontes onde partilhamos muitas vivências. Pensando sobre acolhimento e desenvolvimento na primeira infância, iremos apresentar uma abordagem educacional que abrange o conhecimento a respeito dos nossos sentidos, não somente o que temos naturalizados em nós que são: Tato, Olfato, Visão, Audição e Paladar. Mas ampliaremos a possibilidade de pensarmos em doze sentidos.
Importante lembrar que não podemos ter nada como verdade absoluta, mas sempre podemos ampliar o olhar para acolher perspectivas diferentes. Por isso, ampliaremos de cinco para doze sentidos, onde perceberemos o crescimento e desenvolvimento de cada criança desde o ventre.
Cada um dos nossos sentidos traz um olhar diferente para a qualidade dos estímulos que ofertamos para as crianças no chão da escola, assim ampliamos nossa perspectiva e damos suporte ao educador e educadora para perceber o desenvolvimento das crianças a partir de cada um desses doze sentidos que são: Audição, Palavra, Eu, Pensamento, Olfato, Paladar, Visão, Térmico, Tato, Vida, Movimento e Equilíbrio.
Desde a nossa formação no ventre, percebemos que o gestar pode influenciar muito na ação e reação de cada ser no mundo. Para acolher, é importante, sempre que possível, fazermos uma escuta afetiva sobre o momento da gestação de cada criança (também conhecido como pré natal), que pode ter sido tranquilo, afetuoso, querido ou conturbado e violento. Nesse momento de formação e desenvolvimento, cada ser humano pode se sentir protegido no ventre sem precisar pensar nas sensações que vão aprender assim que nascem, como: luz, frio, calor, fome, sede, colo e afeto.
Assim que nascem, os bebês passam por muitas adaptações ao mesmo tempo nos primeiros meses de vida. O salto de desenvolvimento é muito intenso, e eles exploram diferentes possibilidades corporais, emocionais e cognitivas, pois estão percebendo todos os seus sentidos, que são como portas para perceber a si, o outro e o mundo.
Trazemos na nossa pele a essência do que vivemos e aprendemos na infância, pois cada um e cada uma de nós tem um percurso, experiências que vão reverberar em nossas ações como educadoras. Podemos ser educadas em diferentes ambientes, ou mesmo sendo o mesmo ambiente, criamos perspectivas e experiências diferentes.
Por isso, acreditamos que a mudança necessária deve sempre acontecer em cada uma de nós, de dentro para fora, para percebermos se cada aprendizado que recebemos, faz sentido na nossa prática cotidiana. Independentemente dessas práticas serem formais, não formais ou sociais, todas as relações que partilhamos no nosso dia a dia nos formam e nos ensinam maneiras de ver e viver a vida.
Ao perceber a importância das relações na formação do indivíduo, refletimos sobre uma experiência interessante na forma de perceber os nossos sentidos. Sabemos que cada relação que temos na infância pode ser duradoura, transcende os muros dos espaços criados e fortalece todos os nossos sentidos. A criança exercita cada um dos seus sentidos e ela está entregue ao seu desenvolvimento. A cada ação onde se expressa, ela se descobre buscando sua plenitude, por isso, ela pode interagir com pessoas, brinquedos, objetos, elementos da natureza ou a própria imaginação, ela interage com muito ou com pouco.
A criança mobiliza múltiplos sentidos ao se relacionar, potencializa a transmissão cultural e fortalece as relações, possibilitando a construção de vínculos sociais e o compartilhamento de saberes e descobertas com toda a potência da infância. Um exemplo é quando ela está entregue ao brincar, ela movimenta o corpo, ativa a mente e mobiliza e desenvolve cada um dos sentidos.
Nas relações, percebemos que todos os sentidos da criança estão em ação e ela expressa suas necessidades, ressignifica espaços e se desenvolve integralmente no aspecto: físico, cognitivo, emocional, social, cultural, ambiental e espiritual.
Para apresentar e ampliar essa leitura do desenvolvimento dos sentidos, escolhemos a perspectiva do educador e filósofo Rudolf Steiner (1681-1925), que foi fundador da antroposofia, da pedagogia Waldorf, da agricultura biodinâmica, da medicina antroposófica, da euritmia e dos doze sentidos. Falaremos um pouco sobre os doze sentidos, que são a ampliação dos cinco sentidos (tato, olfato, visão, audição e paladar) que conhecemos. Os doze sentidos ampliam a maneira como nos conectamos conosco e com o outro. Eles são divididos em três grupos que envolvem os sentidos corporais, emocionais e cognitivos:
_ Sentidos Corporais, aqueles que nos informam sobre nós mesmos:
Tato, Vida, Movimento e Equilíbrio;
_ Sentidos Ambientais ou Emocionais, onde percebemos o ambiente que estamos:
Olfato, Paladar, Visão e Térmico;
_ Sentidos Cognitivo ou Sociais, que nos ajudam a perceber o outro:
Eu, Palavra, Pensamento e Audição.
Esta é uma linha de pensamento que entende o ser em sua plenitude, onde há a importância de conhecer a si, para também conhecer e se conectar com o outro. Somos todos partes e participantes desse mundo. Tudo está conectado de alguma forma, pois acreditamos na ciclicidade da vida. Uma maneira de apresentá-la é a partir da teoria dos setênios, que divide a vida por fases de sete anos, observando os ciclos da natureza e o ritmo da vida. A cada fase um novo ciclo que é iniciado, podemos nos acolher e perceber cada mudança que atravessamos e somos desafiadas, pois cada ser amadurece de um modo único. Embora tenhamos todos os sentidos ativos, Rudolf Steiner traz que eles amadurecem aos poucos e quanto mais a criança se sente segura em si e no meio que vive, melhor e mais adequadamente ela consegue fortalecer e amadurecer os próprios sentidos.
No primeiro setênio (dos zero aos sete anos) desenvolvemos as vontades – como se fosse nosso primeiro ninho, onde recebemos e somos marcados pelas emoções. Desse ninho que inicia na fase da gestação, passa pelo nascimento, nutrição e crescimento, esperamos calor, confiança e amor. Nesse momento nos tornamos ser, nos tornamos indivíduos que percebem os limites do próprio corpo, que informam sobre nós mesmos. Os quatro sentidos que nos envolvem nessa primeira fase da vida nos permitem perceber, conhecer e orientar nosso corpo físico solicitando maior atenção e estímulo, e são eles:
Sentido da Vida – esse primeiro sentido tem a ver com bem estar, aquele que transmite informações sobre o nosso corpo e como estamos nos sentindo. Percebemos as sensações de sede, sono, fome, entre outros. Quando esse sentido não está muito maduro, ele pode mandar informações recorrentes de desconforto, nervosismo e inquietação. Para acolher o sentido da vida, podemos trazer ritmos na movimentação, na alimentação, nas estruturas. Esse sentido está ligado diretamente ao sentido do Pensamento, pois quando estamos irritados ou adoecidos não conseguimos pensar corretamente.
Sentido do Movimento – relacionado aos nossos membros, trazendo consciência da forma do movimento e da coordenação motora, o sentido do movimento nos proporciona liberdade e autonomia. Se não me mexo, é como se estivesse preso(a) ao meu corpo. Por isso a importância de perceber o movimento, sentir que me controlo, que posso imitar outros movimentos. Ele está conectado ao sentido da palavra. Muitas vezes percebemos alguma limitação ou dificuldade no desenvolvimento do movimento e logo observamos um atraso na fala, pois o movimento produz a percepção da linguagem.
Sentido do Equilíbrio – nos possibilita o equilíbrio físico e interno como uma calma interior. Esse sentido nos permite sentir o chão e os espaços para nos organizarmos. Para acolher e fortalecer esse sentido, é importante ofertarmos brincadeiras que utilizam muito as mãos e pés como cantigas de roda, onde possa ter movimentos leves, balanço suave e brincadeiras com elementos da natureza. Ele está ligado diretamente ao sentido da Audição, quando não desenvolvido ou imaturo, pode levar à falta de escuta e a falta de atenção, pois não consegue registrar o que ouve, não consegue se orientar geograficamente.
Sentido do Tato ou Toque – percebemos o limite do nosso corpo, a possibilidade de sentir o mundo pelo toque de maneira afetuosa e segura. Esse sentido é a base para desenvolvermos segurança e autoconfiança. Quando ele está bem desenvolvido e amadurecido, posso perceber meus limites e consigo me conectar diretamente com o sentido do EU. Se não me percebo, não posso perceber o outro. Uma maneira de acolhermos esse sentido é através dos cuidados corporais conscientes, brincadeiras para perceber as sensações e os limites, oferta de afeto, carinho e abraços verdadeiros. Percebemos esse desenvolvimento também através das brincadeiras, onde podemos permitir que a criança perceba seu corpo, seus sentidos, limites e os desenvolva para perceber seus aspectos positivos no mundo, ampliando as suas vontades e percepções.
Já no segundo setênio (dos sete aos quatorze anos), desenvolvemos o sentir, onde ampliamos os sentidos emocionais ou ambientais e assim percebemos o mundo externo se revelando para nós. Nosso corpo no mundo com consciência e o corpo do mundo. Os quatro sentidos que envolvem essa segunda fase da vida nos permitem perceber, conhecer e orientar nosso corpo emocional, que são:
Sentido do Olfato – uma das formas de percebermos a essência do outro é através dos odores que sentimos, que sempre vem acompanhada de uma experiência de prazer ou desprazer. Sentimos os sabores pelos aromas, por isso a importância de pensar sobre o que e como nos alimentamos.
Sentido do Paladar – é mais uma maneira de apresentar o mundo exterior para o mundo interior. Pelo paladar experienciamos e experimentamos o mundo, através da palavra, dos sabores, da boa mastigação. Juntamente com o olfato trazemos as experiências gustativas, também acompanhadas da sensação de simpatia ou antipatia pelo que experimentamos.
Sentido da Visão – o sentido do Eu pode ser conduzido ao mundo material, que demonstra maior consciência, onde a luz externa se encontra com a luz interna. Em pessoas com visão, os olhos percebem tudo o que a luz toca. A sensação do que vemos pode mudar nosso humor, quando vemos um dia ensolarado ou um dia acinzentado.
Sentido Térmico – percebemos as temperaturas, calor e frio interno e externo, onde percebemos a temperatura externa e medimos com a interna, sendo que algo pode estar mais quente do que eu ou estar mais frio do que eu. Podemos perceber onde cada emoção nos toca e como nos toca, se nos aquece e nos esfria a partir desse sentido.
No terceiro setênio (dos quatorze aos vinte e um anos), desenvolvemos o pensar, onde ampliamos os sentidos sociais ou cognitivos e conectamos com os quatro primeiros sentidos (equilibrio, vida, movimento e tato) trabalhados na primeira infância, que dialogam diretamente com os quatro sentidos que iremos apresentar abaixo. Eles são os que envolvem essa terceira fase da vida nos permitem perceber, conhecer e orientar nosso corpo cognitivo, que são:
Eu – percebemos a presença do Eu no outro, caminho de refletir sobre aceitar e acolher o outro com práticas empáticas.
Pensamento – sentido responsável pelo entendimento das ideias. Percebemos o nosso pensamento e entendemos o pensamento do outro e de todo contexto. Esse sentido nos comunica o significado das palavras.
Palavra – envolve a oralização e o pronunciamento das palavras como imagens. É a forma que percebemos e entendemos a palavra e não somente no sentido intelectual. Percebemos cada som experimentando a natureza das sílabas, vogais, consoantes. Brincar e cultivar os movimentos nos auxilia no bom desenvolvimento das palavras.
Audição – percebe a vibração do mundo e auxilia na estruturação dos órgãos internos. Podemos perceber nossa voz interna, pois transformamos som/voz em imagens. É interessante perceber como cada som ecoa em nós.
Então finalizamos ampliando nossa reflexão na perspectiva de acolher cada criança em sua integralidade, percebendo o quanto cada um de seus sentidos pode estar adequadamente desenvolvido, e assim, percebemos uma base adequada para o equilíbrio entre o pensar, o agir, o querer e o sentir. Neste caminho, acreditamos que a educação pode ser integral. Uma educação que acolhe cada ser na sua plenitude, em que a promoção dos corpos físico, emocional, cognitivo, social, ambiental, espiritual dialogam intimamente, sendo fundamental o comprometimento com o autoconhecimento por parte de quem se dispõe a acolher.