Lá na escola, todo mundo já sabia, aquele menino tinha um jeito diferente de caminhar. Às vezes pisava forte e pesado como um elefante, às vezes saltitava leve na ponta dos pés. Por aqui e ali, o menino ia sendo e espalhava um pouco de si.
A meninada já sabia que ele estaria fora do jogo, mas o menino ficava sempre por perto, só para lembrar que não.
– Não, eu não vou jogar hoje não, tô fora!
No fora, ele brincava de doutor e avião. E era tudo verdade, no fora da sua imaginação!
– Vamos lá, pessoal, só um pouquinho!
Os amigos sempre iam, mas no fundo, tinham medo. Por isso deixavam sempre um pé do lado de dentro.
– Que maravilha! Que imensidão!
– Eu não disse? Cabe mais do lado de fora do que do lado de dentro! É no fora que o real tem lugar, porque nele as coisas ainda não são!
Parece papo de doido. E por que não?
A descoberta mais recente que fizeram é que a fronteira entre o real e o simbólico não é linha reta, é franja.
Este conto é totalmente inspirado numa experiência real e em uma pesquisa realizada por mim, com orientação do André Bocchetti, em 2021. O menino que tinha um pé no lado do fora existe.
“Experimentar o fora é, pois, fazer-se um errante, um exilado que se deixa levar pelo imprevisível de um espaço sem lugar, pelo inesperado de uma palavra que não começou, de um livro que está ainda e sempre por vir”. A experiência do fora: Blanchot, Foucault e Deleuze Tatiana Salem Levy, 2011.
Gostou do texto “O menino que tinha um pé no lado do fora”?
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