Minhas enteadas, hoje com 13 e 11 anos, desde pequenas, mesmo antes da minha chegada na vida delas, convivem com a diversidade. Uma amiga de meu marido sempre fez questão de presentear as crianças com livros e elementos que fazem parte da cultura afro-brasileira. Aqui em casa os nomes Oxum, Iemanjá, são corriqueiros, as quais, para nós, que não fazemos parte de religiões de matriz africana, estão no campo da bela mitologia africana.
Eu tenho uma fé budista e desde quando passamos a morar juntos, eu faço a minha prática budista em meu oratório aqui em casa. Por causa disso, ou não, a minha enteada mais velha, se interessou por um livro com linguagem HQ que conta a história de Buda. Ela adorou conhecer Siddharta Gautama, que eu fui ensinada a chamar de Buda Shakyamuni.
Outros colegas e familiares também oferecem outras literaturas com múltiplas variedades de assuntos e temas, com isso, assim como a mitologia nórdica e grega, a mitologia africana e oriental, também fazem parte do conteúdo vivenciado aqui na minha casa. Estou contado tudo isso, para partilhar um outro momento de minhas enteadas.
Quando elas estavam no 3º e 5º ano, trouxeram para casa um incômodo:
– Por que as pessoas acham que chamar outra pessoa de macumbeiro é ofensa?
Fomos então desenvolver a conversa, e elas disseram que um dos colegas da escola, chamava outro colega, que é negro, de macumbeiro. E elas logo trouxeram a resposta:
– Macumbeiro é quem toca macumba, eu queria saber tocar macumba, isso não pode ser ofensa.
E neste momento tivemos que explicar para elas uma das “ofensas” mais ouvidas por crianças negras na escola. Fruto do racismo, da intolerância religiosa, do racismo cultural e da ignorância. Caso você não saiba, trago aqui a definição da palavra Macumba: antigo instrumento de percussão de origem africana, que era outrora usado em terreiros de cultos afro-brasileiros.Tenho certeza de que se as meninas aqui de casa não tivessem contato com tanta diversidade, elas também poderiam entrar na onda e se juntar ao colega na ofensa. Nesse momento, sentimos um alívio e uma imensa alegria por proporcionar às crianças aqui de casa uma educação repleta de diversidade cultural.
Você aí que está me lendo, também sente essa alegria e alívio?
Em outro momento, dialogando com uma diretora de uma escola municipal de uma cidade do interior paulista, ela me revelou com muita alegria que formou um grupo de dança afro na escola. Os meninos e meninas tinham coreografia e figurinos com tecidos especiais, mas logo em seguida ela me relatou algo com tristeza:
– As crianças se apresentam em diversos lugares, nos eventos esportivos da cidade, na câmara de vereadores, nas praças e parques, mas se recusam a se apresentarem aqui na escola para os próprios colegas, pois são frequentemente chamadas de macumbeiras.
Nas escolas, muitas crianças negras recebem o título de macumbeiras com um sentido pejorativo. A intolerância religiosa somada ao racismo, muitas vezes ensinados dentro de casa, têm se tornado arma daqueles que tentam, por meio da ignorância, diminuir crianças negras.
Quando meus colegas de escola queriam me diminuir, por conta da cor da minha pele, eles também me chamavam de macumbeira. Nessa época eu não sabia o que significava a palavra, mas o código racista da sociedade me ensinou que não era algo de se orgulhar. Hoje eu olho para trás e penso como era triste não poder ter orgulho das minhas próprias origens e cultura, isso me fez enorme falta na construção de quem eu sou. Um pouco do meu trabalho hoje é para resgatar isso, resgatar a minha cultura ancestral, não só para mim, mas para diversas pessoas que me acompanham.
E aqui vão duas perguntas:
O seu filho sabe o que é macumba? Que tal oferecer mais diversidade na educação das crianças?
No início do texto você pode ter pensado que a cabeça de minhas enteadas deve ser confusa, e eu te digo que, pela experiência que temos, o excesso de referências e diversidade, aqui em casa, nunca fez mal, pelo contrário, sempre ajudou na explicação do mundo para elas.
*Ilustração da capa via freepik.