O que mudou nas empresas com a pandemia

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Algumas reflexões

Antes de iniciar algumas reflexões sobre os significados, implicações e questionamentos que surgem dos aspectos citados acima, quero dizer que a pandemia está sendo um momento difícil para todos. As perdas reais e subjetivas desta situação são incontáveis e difíceis de assimilar e nada do que será colocado a seguir serve para minimizar ou contrapor os aspectos negativos provocados pelo COVID-19. A dor é real e individual e espero que a gente consiga vivê-la da melhor forma possível, sem fugas ou aprisionamentos.

As limitações impostas pelo coronavírus deflagram ou reforçam realidades que precisam mudar. O despertar que algumas empresas tiveram para a realidade das pessoas que não podiam trabalhar de casa promoveu uma certa empatia com as necessidades dessas pessoas. Quando penso nos efeitos dessa sensibilização, lembro com aquela frase atribuída a Einstein, que diz que uma mente que se abre para uma nova ideia não volta ao estado anterior. O mesmo vale, penso eu, para as experiências e sentimentos. Gestores que se sensibilizaram com as diferentes realidades possivelmente não voltarão a ficar insensíveis às diferenças.

Ainda sobre o trabalho remoto, existem previsões que afirmam que o trabalho no escritório acabou. Não podemos dizer que quem pensa dessa forma está deslocado da realidade. O Facebook, por exemplo, anunciou que pretende estimular o home office agressivamente e sabemos o peso que empresas como essas têm em influenciar tendências. Para algumas pessoas, não precisar se deslocar todos os dias para o trabalho representa um ganho na qualidade de vida, mas isso não vale para todos. Se essa mudança de fato se confirmar, me pergunto como atenderemos algumas necessidades importantes. Ir ao escritório é também um rito de socialização, algo que todos, em algum grau, precisamos. Não vamos ao escritório apenas para cumprir tarefas objetivas, vamos para ver pessoas, “jogar conversa fora”, tomar aquele cafézinho, interagir… Esses comportamentos são importantes para nossa saúde e bem-estar, além de interferir em nossas tomadas de decisões e na forma como conduzimos nosso trabalho. Talvez encontremos formas de atender essas necessidades de socialização remotamente, talvez não, o tempo dirá. O certo é que elas são importantes e não podem ser deixadas de lado. As empresas precisarão pensar em formas de manter vivo o senso de pertencimento e as interações sociais mesmo à distância. O que não podemos negar é o benefício da pandemia para a perda do preconceito em relação ao home office, pois nenhum preconceito nos ajuda a viver melhor.

Outra situação deflagrada pela pandemia está na dimensão da saúde mental. As perdas e mudanças provocadas pelo vírus já estão funcionando como gatilhos para problemas de saúde. A tendência é que isso se agrave no médio e longo prazo. Uma pesquisa feita pelo Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) aponta que casos de depressão dobraram e de ansiedade tiveram aumento de 80% na quarentena. O consumo de bebidas alcoólicas dobrou durante o isolamento, enquanto o de tabaco quadruplicou. Suicídio, Depressão, Alcoolismo e o Transtorno de Estresse Pós Traumático são algumas possíveis consequências dessa situação. As empresas precisarão ter planos de apoio à seus colaboradores.

Uma terceira situação destacada pelo isolamento foi o machismo na relação de casais com filhos. A sistemática queixa das mulheres em relação a desigualdade na distribuição das tarefas relacionadas ao cuidado com os filhos mostra que mesmo em um estrato privilegiado e de bom nível de educação, como o das pessoas com quem conversamos, há presença desses comportamentos é bastante significativa. É possível imaginar que muitas empresas precisarão investir mais na educação do seu público masculino como forma de diminuir o sexismo nas suas relações de trabalho.

Por fim, acho que a pandemia também está nos permitindo perceber o impacto das lideranças nas organizações. Líderes e gestores terão que aprender a fazer essa gestão de pessoas à distância, tanto nos aspectos que tangem as relações, que não poderá mais seguir a lógica de comando e controle, como no que diz respeito à saúde emocional das pessoas que trabalham para eles. Mesmo que o home office não se torne absoluto, é viável acreditar que esse formato será mais presente do que antes e isso impactará a forma como se faz gestão mesmo após o fim da pandemia.

A temática de saúde no trabalho já estava crescendo muito antes do surgimento do vírus. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), prevê-se que a depressão e a ansiedade causarão um impacto na economia global de um bilhão de dólares por ano em perda de produtividade. A OMS estima ainda que, em 2020, a depressão será a principal causa de incapacidade no mundo todo, perdendo apenas para as doenças cardiovasculares. Na América Latina, a saúde mental já é o terceiro maior fator de influência nos custos médicos dos programas de saúde patrocinados pelos empregadores, conforme um relatório global de tendências médicas da Mercer Marsh Benefícios. A necessidade de repensar os modelos de trabalho e os impactos da falta de saúde emocional já estavam sendo percebidos e agora se tornaram evidentes. Se sem a pandemia, essa busca por uma cultura de saúde já era complexa, agora ela fica ainda mais desafiadora que exigirá um trabalho conjunto e colaborativo de diferentes áreas de conhecimento.

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