Me vejo em frente a uma mesa de som, daquelas repletas de botões para todos os lados. Para meu desespero, parecem estar todos ligados no volume máximo. Fico desnorteada, nenhuma música sai desse emaranhado de sons. Abro as mãos o máximo que posso, estico bem os dedos e vou arrastando os botões para baixo até que parte dos ruídos silencia . Que alívio! Paro para escutar os sons que restaram. Mais importante: ouço o vazio entre sons. É assim que se faz música, sabia? Se tudo fosse barulho ininterrupto, não haveria melodia. São as pausas que temperam e trazem textura para o amontoado de sons, transformando em música.
Silêncio é um lugar de descanso. É, mas não existe silêncio absoluto no mundo. Se estamos na cidade, há ruídos de trânsito, pessoas conversando, apitos, obras. No trabalho são notificações no celular, noticiários, reuniões online e infinitas mensagens a serem respondidas. No lazer, lives, stories, podcasts, música, séries, filmes. Nos encontros com outras pessoas, preenchemos os possíveis silêncios com conversa à toa para disfarçar o desconforto e quando estamos sozinhos recorremos aos eletrônicos para não ouvir o falatório interno.
Na natureza também não há silêncio absoluto. Os insetos e animais fazem barulho, há som do vento, da água e das árvores. Há também os zumbidos que passam a fazer parte da vida dos serem humanos, ruídos initerruptos que insistem dentro dos ouvidos mesmo quando tudo do lado de fora se aquieta. Para mim, o silêncio não se limita a escuta e fala, há também a escassez de silêncio dos olhos, do toque, do paladar. Somos superestimulados todo tempo e já não percebemos que as experiências precisam ser extraordinárias para que nos afetem. Isso sobrecarrega nosso corpo e cérebro, não é à toa que estamos tão cansados. É muito para lidar e continuamos procurando por mais, pois já estamos insensíveis ao simples e suficiente.
Se não há silêncio absoluto, penso que o caminho possível é escolher como lidar com os barulhos que entram em contato conosco e o quanto nos afetarão. Além disso, deixar de produzir ruídos é uma boa iniciativa, bem como pausar antes de responder alguém, respirar fundo antes de iniciar tarefas, silenciar para processar estímulos sensoriais, descansar os olhos várias vezes antes de voltar às telas, escolher outras maneiras de se expressar que não se limitem a palavras e sons. Acredito que o silêncio pode ser nutrição, cuidado, respeito, aconchego e amor. Fazer silêncio pede coragem e humildade, abre espaço para novas formas de expressão e enriquece nossa humanidade.
Imagem da capa: James Kovin via Unsplash.