Pertencimento e Valores Humanos

Pertencimento é a palavra da vez. Acredito que minha primeira sensação de pertencimento e a de não pertencimento aconteceram na minha infância. Foi um sentimento muito bem registrado na minha memória emocional. Lembro de um passeio na escola por um parque cheio de árvores muito grandes, sons de passarinhos, luz do sol suave…lembro de me sentar na terra, olhar para o céu e me sentir completamente preenchida por aquela experiência. Eu fazia parte daquele lugar.

Lembro também na infância de me sentir muito integrada na escola, principalmente nas atividades culturais, eu participava do grupo de teatro, e toda semana assistíamos uma apresentação cultural da cidade, e essas experiências me proporcionaram uma referência de que eu fazia parte de algo significativo para toda a comunidade. Isso me faz acreditar que possibilitar que as crianças tenham acesso à cultura e a diversas manifestações culturais é fundamental para formação de sua identidade e desse sentimento de pertencimento.

As experiências de não pertencimento foram também intensas e sobretudo, dolorosas. A primeira que eu me lembro foi quando me percebi corporalmente muito diferente das minhas amigas, e comecei a sentir medo de crescer e não saber mais meu lugar. As vezes me identificava com o grupo das crianças mais velhas, e as vezes me sentia muito sozinha também. Iniciei então a busca por uma identidade ou por algo pelo qual eu mais me identificasse.

Mesmo em contextos muitos diferentes, acredito que todas as pessoas se identificam com esse sentimento de pertencimento ou não pertencimento em algum momento da vida. O objetivo pelo qual descrevo essas experiências é para iniciar uma reflexão de que a busca pelo pertencimento é algo que nos perpassa desde o nosso nascimento. É por meio do reconhecimento do outro e do ambiente, é que vamos aos poucos reconhecendo a nós mesmos, e construindo nossa identidade – e este é um processo infinito do nosso desenvolvimento.

Neste sentido, os laços sociais que estabelecemos ao longo da vida, as vivências comunitárias ou grupais e a identificação com determinada cultura são muito importantes para conseguirmos estabelecer uma relação de pertencimento com o mundo. Consciente ou inconscientemente, naturalmente, buscamos no outro e no ambiente em que vivemos algo que faça com que nos reconheçamos a nós mesmos.

Como podemos pensar então em pertencimento em uma sociedade que em sua estrutura é excludente? Onde grupos e pessoas sofrem diariamente preconceitos e são apartadas de convívio social e dos recursos necessários para sua sobrevivência? Infelizmente nossa sociedade se revela muito perversa e desigual em diversos níveis. E o sofrimento causado por essas situações, gerando um sentimento de não-pertencimento é quase imensurável.

Por vezes, nos fechamos no nosso “círculo” ou grupo e tudo o que nos parece muito diferente temos a tendência egoísta e arrogante de excluir ou julgar. Sim, ouvimos muito em falar de igualdade, diversidade, mas de fato trabalhamos em nós a aceitação daquilo que consideramos diferente ou daquilo que não conhecemos?

A história do nosso país foi construída por tantos povos, por tantas contradições… Os colonizadores portugueses chegaram em uma terra onde nada lhe pertenciam, mas que queriam usufruir e dominar, a começar pelos povos originários. Por sua vez, os povos indígenas que pertenciam a esse território, à natureza, à sua cultura e costumes, foram colocados em um lugar de não pertencimento, pela situação de dominação e subjugação aos colonizadores. Os africanos que vieram escravizados, chegaram em um país onde não pertenciam, trazendo consigo seu corpo, suas crenças, sua identidade, o que de fato lhes pertenciam…

Com certeza não é por acaso que vivemos em um país estruturalmente e historicamente desigual, onde os direitos humanos e sociais são extremamente violados. Estatísticas de violência em crescimento, dentro e fora das instituições…Mas o que podemos fazer além de reconhecermos nossa história e nossa realidade? Talvez começar a reconhecer nosso semelhante, sua história, sua cultura seu legado.

Até que ponto nos identificamos com outro ser humano? Ou melhor, o que nos faz essencialmente humanos? Para tentar responder essas questões vou trazer como referência o conceito de Valores Humanos Universais, trazidos pelo mestre e filósofo indiano Sathya Sai Baba. Para ele, os cinco valores: Verdade, Retidão, Paz, Amor e Não Violência, são a essência de todos os seres humanos. Segundo seus ensinamentos, divulgados pela Organização Sathya Sai:

“Assim como a natureza do Sol é aquecer e iluminar, a natureza da Chuva é molhar e vivificar, e a natureza da Flor é perfumar e embelezar – a verdadeira natureza do Ser Humano é Verdade, Retidão, Paz, Amor e Não-Violência. Um Ser Humano que não manifesta essas qualidades, é como um Sol sem calor nem luz, como uma “Chuva que não molha”. Não está sendo verdadeiramente humano.”

“Amor como pensamento é Verdade.
Amor como ação é Retidão.
Amor como sentimento é Paz.
Amor como compreensão é Não-violência.”

Estabelecer práticas sociais e comunitárias que possam transformar as condições sociais das pessoas, aumentando suas capacidades e liberdades – trazendo aqui outro indiano como referência o economista Amartya Sen que desenvolveu a teoria do “Desenvolvimento como Liberdade”) – e possibilitando a formação de novos vínculos sociais…Espaços que envolvam diferentes manifestações culturais e que incluam sobretudo a diversidade do que é ser humano e a universalidade da importância do pertencimento. Acredito que é isso pode ser uma bússola para todos nós que desejamos um mundo mais empático.

Penso que pertencer a espécie humana então é cultivar esses valores humanos dentro de nós e em todas nossas relações e ações sociais. Como podemos então transformar os ambientes escolares, de trabalho, espaços comunitários e religiosos, em espaços que as pessoas poderão se reconhecer, se sentir parte e poder de fato contribuir com sua singular existência? Um bom início de caminho é tentar estabelecer relações mais empáticas conosco e com as pessoas com quem convivemos, colocando em prática esses valores. Vamos tentar?

*Imagem da capa: Vonecia Carswell via Unsplash.

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