Por uma maternidade possível

Este texto é destinado principalmente às mães, filhos e filhas. Pois a maternidade é tema de todos nós, de toda a sociedade e não somente daquelas que a vivenciam “na pele”. Já quero começar dizendo que eu preferiria não escrever esse texto, cheio de pontos finais. Gostaria que esse tema fosse discutido em uma plenária aberta, pois acredito que a maternidade é um assunto em constante construção, vivida por sujeitos reais.

Vivemos em uma sociedade muito desigual socialmente e em um mundo diverso culturalmente. Assim, não podemos deixar de considerar que as possibilidades de ser mãe são muitas, pois estão inseridas em um determinado contexto socio-histórico e cultural. Além disso, tem os aspectos que dizem respeito à individualidade, aspectos psicológicos, emocionais, vivências e história de vida de cada um.

Desse balaio todo, “Mamãe nasceu quando eu nasci”, como diz a música do grupo “Tiquequê”. Depois de toda a espera e expectativa dos aproximadamente 9 meses, nascemos! Desde a primeira respiração, temos que cuidar e ser cuidados. Somos dependentes e interdependentes desde o primeiro segundo de vida. Parteiras, doulas, enfermeiras, médicos, e tantos outros que nos auxiliaram a vir para esse mundo…

Um sentimento arrebatador surgiu em mim quando meu primeiro filho nasceu: o de que aquele ser dependeria totalmente de mim naquele momento. E que eu deveria fazer de tudo e o melhor possível para cuidar dele. Explicações hormonais e psicológicas à parte, este foi meu sincero sentimento. Com o passar dos dias esse sentimento só aumentava, o mundo girava mais rápido, as noites e os dias se misturavam um pouco.

As transformações do corpo, a amamentação, as intensas mudanças de rotina familiar e da casa, o desenvolvimento dele e o meu também, as primeiras conquistas, sorrisos, olhares, os choros acalentados, emoções à flor da pele, tudo era relevante a todo instante. Eu e aquele ser recém-nascido.

Aos poucos, naturalmente, fui sentindo a necessidade de ampliar esse cuidado (para mim e para ele), o desejo de voltar a algumas funções habituais, de dormir a noite toda, de ampliar meu convívio social. Sim, maternidade em São Paulo pode ser um pouco solitária para alguns. Contava com um pai presente e todo seu afeto, e com o apoio familiar, mas ainda assim, eu sentia que meu tempo estava desconexo com o resto do mundo. Eu queria continuar amamentando a cada 3 horas mais ou menos, queria voltar ao mundo do trabalho de alguma forma e queria ver de perto o desenvolvimento do meu filho.

Tantos dilemas que passei e escolhas que tive que fazer nesse período, porque era mãe. Fato inédito. Tinha, por outro lado, outras mães como referência, e toda uma sociedade que de certa forma constrói “modelos” de maternidade e de mulher que para mim, parecia mais uma super – mulher sob uma visão dilatada: “Mãe, trabalhadora, bem sucedida, feliz e descansada”. Enfim, sem tempo para dizer NÃO para o mundo!

Essa é a minha história. Mulher, brasileira, da classe média, residente em São Paulo, mãe no ano de 2014 aos 29 anos e depois aos 32 anos. Existem tantas e diferentes histórias…

Antes de ser mãe eu já compartilhava histórias com muitas mães, quando eu trabalhava como Assistente Social de algumas periferias de São Paulo. Mães que cuidavam sozinhas de seus filhos ou que os deixavam desde pequeninos com as avós ou outros cuidadores para poderem trabalhar o dia todo, voltando somente a noite para a casa. Mulheres que acordavam de madrugada para ficar na fila do posto de saúde para conseguir consulta para o filho, ou na fila da creche para conseguir vaga. Mulheres que enfim, faziam tudo e o melhor possível para seus filhos.

Sei que todos nós precisamos de cuidado e de apoio, como nossos filhos. Sei também que não precisamos de julgamentos, cobranças e modelos inalcançáveis de maternidade. Queremos ser ouvidas, ser acolhidas em nossas necessidades e diferenças. Queremos exercer a maternidade levando em consideração nossos valores, nossa cultura, aquilo que é realmente essencial para nós. Queremos sobretudo ter nossos direitos humanos e sociais atendidos, pois além de nós, outro ser também depende de nós…

Acredito que este conhecido provérbio africano: “É preciso de uma aldeia inteira para cuidar de uma criança” traz quase que um sentimento universal de mães e filhos: o de que somos seres interdependentes e desejamos, todos, fazer parte deste mundo, da forma que realmente somos.

Vamos criar uma aldeia? Sair da prisão da individualidade e nos olhar com mais amor? Criar uma rede de empatia e fraternidade, seja na nossa família, bairro, comunidade, escolas, local de trabalho, igreja, terreiro, centro cultural? Maternidade possível é aquela que criamos juntos, todos nós, mães, pais, filhos e filhas deste mundão!

Como referência e indicação coloco aqui um livro que traz uma história simples e sensível de uma aldeia no Quênia, na Africa, da literatura infanto-juvenil: “As panquecas de Mama Panya”, de Mary e Rich Chamberlim e ilustrações de Julia Cairns, editado em 2005 pela editora brasileira “Edições SM”.

*Imagem da capa: Jonathan Borba via Unsplash.

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