Sobre mãe, pai e a chegada do filho. Uma linda crônica-relato que você tem que ler

Sobre mãe, pai e a chegada do filho.

Eu estava em repouso na casa dos meus pais havia 4 meses. Era uma gravidez de risco. Fiz um acordo com o meu chefe e passei a trabalhar de casa, para garantir os devidos cuidados. Naquele dia, fiz uma reunião por skype e o chefe fez piada para que eu alertasse aos outros chefes que o meu bebê estava nascendo e que eles deveriam agilizar a entrega dos documentos que eu solicitava há semanas. Eu estava com 32 semanas de gestação (2 meses antes da data prevista para o parto) e disse: “não diga isso! Estou sentindo dor”. Eu já conhecia a dor da contração.

Desligando o skype da reunião fui ao banheiro e percebi que deveria ir à maternidade pelo tipo de dor que estava sentindo. Liguei para a minha mãe e peguei um táxi, ao meio dia, bem no horário de saída de escolas e almoços dos executivos da Avenida Paulista. Ou seja, ruas com intenso fluxo de carros. Por sorte, o motorista do táxi tinha sido motorista de ambulância durante anos e, tocado pela situação, me levou às pressas à maternidade. Minha mãe me encontrou lá.

Não queriam me internar, disseram que o cardiotoco não estava detectando as contrações, mas, como eu tinha certeza, liguei para o meu médico, que me internou à revelia do pronto socorro. Tudo corria bem, não fosse o fato das contrações continuarem. Pouco mais de 36 horas de internação, muitas contrações e o ultrassom indicou grande queda do líquido amniótico. Era chegada a hora.

Nosso obstetra passou no meu quarto às 9hs da manhã e disse que ao meio dia nosso bebê nasceria. O pai estava há 240 km de distância, terminando um trabalho pesado. Conversamos e resolvemos que ele terminaria tudo e iria para São Paulo com calma. Eu oscilava entre tranquilidade e ansiedade. Porém, muito confiante nas palavras do nosso médico, que para me acalmar, levou ao meu quarto a filha dele, enorme, que era também uma bebê bem prematura. Pelo ultrassom meu filho pesava 2,500kg, tinha um bom peso para nascer. Além disso, toda a angústia da gestação de risco acabaria ali, com o nascimento.

Fomos para a sala de parto. Estava tocando Alpha FM, minha rádio predileta! A música era alguma dos anos 80… não consigo me recordar ao certo. Mas eu me sentia bem, feliz, com vontade de cantar, mas também apreensiva com o que poderia acontecer. Minha mãe estava junto, graças à oxalá, e filmou a cesárea! O clima estava ótimo, o Dr. e sua esposa (também obstetra) estavam serenos, num trabalho de parceria muito bonito. A outra parte da equipe também estava concentrada para que tudo corresse bem. E foi tudo bem, muito bem! Nosso filho nasceu, chacoalhando as pernas, meio reclamando, e teve que ir direto para o oxigênio até que soubessem o real estado de saúde dele. A sensação foi de alegria com alívio. Sabia que meu filho estava bem, sentia que ele estava bem, e eu estava aliviada por ter chegado ao fim a caminhada da gestação. Muito antes do tempo, mas, confesso, essa angústia chegava ao fim.

Ele nasceu num domingo, às 12h04, com 2.350kg, medindo 46cm, loiro carequinha e olhinhos bem fechados e com as notas de apgar 8 e 9. Nasceu muito bem! Minha mãe riu quando o médico disse que o bebê era loiro…. filho de mãe e pai com cabelos castanhos. Pudemos vê-lo bem rapidinho. As venesianas se abriram para que os outros familiares pudessem vê-lo e ele foi para a UTI neo natal. Minha maior preocupação era se ele estava com a pulserinha de identificação correta.

O pai chegou por volta das 18h, estava calmo e contente com a chegada de nosso bebê. Ambos muito ansiosos para vê-lo. Assim que ele chegou, todas as visitas foram embora para nos deixarem descansar e viver aquele momento de alegria e preocupação. Quando pude descer para a UTI, ainda não era horário de visitas, então o pai não pode entrar (!!!). Fui de cadeira de rodas, encaminhada pela enfermeira. Antes que eu pudesse ver meu filho, fui interceptada pela pediatra, friamente, me perguntando se eu tinha visto algo de diferente nele. Eu, ainda zonza do pós-parto, ansiosa para segurá-lo, beijá-lo, etc… fiquei irritada e logo encurtei o papo: “Dra., fala logo, o que foi?”, e ela me disse que achavam que ele tinha trissomia do cromossomo 21 e que já haviam acionado a geneticista para avaliação e diálogo conosco. Para mim soou como se ela dissesse qualquer coisa. Nem ouvi. Só queria ver meu filho.

Enfim, pude ter meu primeiro contato com o maior amor da minha vida. A técnica que me recebeu, morena, com seus 40 e tantos anos, fez uma plaquinha toda delicada com o nome dele. Tenho guardada até hoje… Meu pequeno prematuro estava lá, dentro da incubadora, olhos fechados, chutando, chutando o ar, tentando encontrar o limite que as pernas alcançariam. Quem sabe encontraria a minha barriga? Desde o primeiro instante já segurava forte o meu dedo, como quem diz “estou aqui, de verdade, firme e forte”. Uma emoção indescritível. Meu coração estava muito apertado. Não pude pegá-lo no colo, mas podia tocá-lo e acalmá-lo. Tão pequeno… Era lindo! Minha mãe tinha razão, era o mais lindo do berçário! Ele era carequinha, com um pouco de cabelo loirinho. Ele abria e fechava a boca como se fosse um peixinho ou um pequeno mamífero procurando seu alimento instintivamente. Me emocionei. Muito. Mas não senti medo. Senti que eu deveria ser forte, como ele me mostrava, para juntos sairmos da maternidade.

Voltei para o quarto com o pai, feliz por ter conhecido o nosso filho, e contei para ele sobre a trissomia do cromossomo 21. Nos olhamos e resolvemos esperar o que a geneticista iria nos dizer antes de pensarmos sobre o assunto.

No horário de visitas o pai pode conhecê-lo. Foi lindo… Emocionante! Eu estava com o nosso filho no colo e eu o coloquei no colo do pai. Foi engraçado, o pai todo durão, parecia um muro segurando um bebe frágil. Nos abraçamos. Os três. Puro amor.

Poucos dias depois a geneticista nos visitou. Confirmou a alteração genética (que seria comprovada posteriormente pelo exame cariótipo). O pai ficou quieto e eu chorei. Ao lado dele me permiti fraquejar, duvidar da minha própria capacidade de seguir em frente, ter medo, transitar entre o sonho e a realidade que se desvelava naquele momento. Ele me abraçou em silêncio durante um tempo, depois disse: “eu só quero que ele tenha saúde e que a gente saia logo daqui”. Com essas palavras me despedi de um sonho planejado durante meses e abracei a chegada de um presente encantador para toda a vida.

Foram 15 dias na UTI apenas por uma icterícia.

Esse relato aconteceu há 1 ano e 9 meses. Nosso pequeno prematuro já está enorme, bagunçando tudo por aí. Pura simpatia. Seu nascimento foi como muitos outros. Sua recepção e acolhimento foi como de muitos bebês. O amor que recebe e o que oferece é como de muitos bebês. Sua vida de alegrias, brincadeiras e frustrações é como a de muitos bebês. Ele é uma criança com características únicas, como todas as crianças.

Do que ele precisa? De amor, estímulos, acolhimento, afeto, amigos, ser aceito no mundo e receber oportunidades para trilhar o seu caminho; assim como todas as outras pessoas.

Ainda lembro do cheiro da UTI, cheiro de esparadrapo esterilizado.

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