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Bate-Papo ——

Bate-papo Violência de Gênero com Nathalie Malveiro

Heloisa Flesch

04 de maio de 2021

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Nathalie Malveiro é Promotora de Justiça do enfrentamento da violência doméstica do Ministério Público de São Paulo há quase 30 anos. Sempre gostou da área criminal, desde a faculdade se identificou com a promotoria pois queria defender as vítimas e não os acusados. Até 2006, a violência doméstica era considerada um crime de menor potencial ofensivo, ou seja, era de menor importância do que roubo, tráfico de entorpecentes e acidentes de trânsito. A violência doméstica era deixada de lado.

Há 10 anos, ela começou a trabalhar especificamente com o tema de Violência de Gênero, sentiu que era uma área que havia mudança na vítima e na família, considera um trabalho gratificante por utilizar de vários saberes: psicologia, assistência social e outras áreas.

DESMISTIFICANDO A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Nathalie explica que o agressor normalmente é um bom homem, um “homem de bem” que trabalha, é bem colocado socialmente, tem amigos, é um bom pai e provedor da família. Por isso se torna difícil a identificação tanto da vítima quanto do agressor. Enquanto não existir uma agressão física, a mulher fica em dúvida em relação a esse homem e pode até se culpar pela agressão psicológica.

Daí decorrem todos os outros questionamentos em relação à violência de gênero: por que a mulher volta atrás, demora para fazer a ocorrência ou retira a queixa.
O grande problema está nesse fator: o companheiro é socialmente aceito e por outro lado a mulher não se vê como vítima.

QUAL A DIFERENÇA ENTRE FEMINICÍDIO E HOMICÍDIO?

De uns anos para cá um legislador entendeu que precisava ter uma figura específica para morte de mulheres pelo simples fato de elas serem mulheres. É diferente de uma briga de trânsito ou uma briga em um bar onde ocorre um homicídio.

É uma manifestação do homem de que ela é tão sua propriedade que ele pode dispor da sua vida, sua saúde mental e física. Há essa figura destacada para que haja:

1. Melhor qualificação desse fato - ela só morreu porque é mulher

2. Para poder mapear melhor esses fatos

Brasil tem a vergonhosa taxa de ser o 5o país que mais mata mulher no mundo, apesar de São Paulo ter índices baixos, outros estados têm taxas altíssimas. A maioria das vezes a mulher morre quando rompe o relacionamento, ficamos preocupados em segurança na rua mas quando entra em casa e tranca a porta é onde ela vive o maior perigo.

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

Pode-se associar a violência psicológica com a parábola do sapo sendo cozido. Se você colocar o sapo na água quente, ele pula e foge dessa água pois o incomoda demais. Por outro lado, se colocar o sapo na água fria e ir aquecendo aos poucos, ele não percebe a mudança de temperatura e acaba morrendo quando a água chegar na fervura.

É muito comum ver a violência psicológica ocorrendo nas mulheres dessa forma gradativa e discreta. No dia a dia, depreciação dessa mulher e a não aceitação de sua opinião vai sendo manipulada de uma forma que ela própria não acredita em si mesma. E quando ela entra em conflito com seu parceiro por esse motivo a discussão flui para uma resultante em que a mulher sempre acaba pedindo desculpas por um problema que o homem traz substituindo o tema que ela havia trazido no início da conversa. A violência psicológica é tão grave quanto a física, as mulheres adoecem tão quanto uma agressão física. Comumente elas chegam poliqueixosas: com dores em vários lugares, não dormem direito e apresentam depressão profunda.

A Lei da Maria da Penha descreve os tipos de violência doméstica que podem ser: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.
O maior problema é que não existe uma proteção integral para mulher que sofre somente com a violência psicológica, não existe um crime de agressão de violência psicológica.
O crime de lesões corporais até valem também para uma lesão psíquica, mas é muito difícil fazer essa comprovação. O que acaba acontecendo é que ela vai sofrendo violência psicológica até que se transforme em outra forma de violência: moral (quando há xingamento ou humilhação) ou uma violência física.

COMO AJUDAR?

Quando perceber quando um amigo ou familiar está sofrendo violência? Quando podemos ajudar a mulher e o homem também?

Se há intimidade, Nathalie diz que é muito importante conversar com a pessoa tentando alertar de uma maneira amorosa que tais atitudes que ela vem sofrendo não são equilibradas.
Nessa conversa é preciso fazer um exercício profundo de empatia para entender que quando estamos envolvidos em uma situação é muito difícil perceber as agressões que essa relação traz. Quando estamos fora do problema, enxergamos melhor.

É necessário entender que a violência não começa de um dia para outro, ela é crescente.

A princípio o homem é amoroso, ele ocupa aquele lugar de infância do “príncipe encantado” que ama e cuida da mulher, entra nesse imaginário de proteção.

Com o passar dos anos, o controle sobre a vida da mulher começa gradativamente: ele não vai chegar falando “você está proibida de estudar”. Ele vai falar que “a cidade está tão perigosa que é arriscado você voltar a noite da faculdade, não é melhor você interromper a faculdade e mais para frente, quando estivermos melhor financeiramente, você faz faculdade durante o dia?”. Nesse momento a mulher paralisa seus estudos.

Quando a mulher trabalha e não tem um salário alto, ele pode dizer “quase não compensa você trabalhar para pagar a creche, babá ou escola. Não é melhor parar de trabalhar para focar na educação das crianças e daqui uns anos você volta a trabalhar?”. Com isso ela abre mão da sua independência financeira. 
Outro exemplo: sua amiga se divorciou, ele diz que “ela não é boa companhia para você, frequenta bares, sai o tempo todo, tem outro estilo de vida” e a mulher se afasta dessa amiga para não gerar atrito com companheiro. 

Há casos em que o homem se justifica com pequenos atritos familiares para não frequentar mais a casa deles, se isolando ou forçando a mulher a se isolar também de sua própria família. É uma crescente. Depois dessas interrupções a mulher se vê sem saída pois depende financeiramente desse homem, abandonou seus estudos e muitas vezes se afastou dos amigos e familiares.

O QUE NÃO SE DEVE FAZER?

O que não devemos fazer: alertar a amiga ou familiar sobre as agressões e caso ela não acredite em você, não ser intransigente ficando bravo(a), virando as costas e não falando mais com essa pessoa.
É muito comum a família e os amigos se afastarem no momento em que a mulher mais precisa. O homem conta com esse afastamento, além de se beneficiar gerando maior ascensão da imposição da violência, aproveitando que sua companheira perdeu os laços familiares. É muito importante não se afastar, cada mulher tem seu tempo para entender o que está sofrendo. 

Muitas vezes a mulher não quer se separar, ela só quer deixar de ser agredida, quer continuar com aquele parceiro pois foi quem ela escolheu, porque ela o ama ou porque é o pai dos filhos dela. Qualquer intervenção que amigos ou familiares façam não pode partir do princípio de que ela vai se separar daquele homem. Talvez, se o homem fizer um trabalho de reeducação familiar, ele pode se reabilitar e continuar naquele relacionamento.

CICLOS DA VIOLÊNCIA

Existe um padrão de comportamento que acontece na maioria dos casos, com isso foi definido o Ciclo da Violência, divido em 3 fases:

Fase 1: Evolução da tensão - Começa com violência verbal, desqualificação da mulher na qual sua opinião nunca está certa: “você vota errado”, “seu time de futebol é uma porcaria”, “você não entende de nada”.

Há uma tensão constante no relacionamento até que evolui para a fase 2.

Fase 2: Explosão - Surge uma ameaça, uma agressão física, algo que realmente a violência fica nítida. Nesse momento a mulher se retrai e fala que não quer mais o relacionamento, quer se separar.

Fase 3: Lua de mel - O homem percebe esse movimento e genuinamente promete parar: traz flores, diz “vou me tratar”, “vou parar de beber”, “vou ser menos ciumento”. Ele convence a mulher prometendo que aquilo nunca mais vai acontecer. A mulher e o homem acreditam nisso. Ele também acha que realmente vai mudar. Mas tem vários fatores que influenciam essa decisão fazendo com que ele possa não conseguir mudar.

Aí eles voltam nesse ciclo retomando todos os passos e a violência vai cada vez ficando mais grave, podendo chegar à morte (feminicídio) dessa mulher.

A questão então é conseguir identificar esses sinais: quando o homem está impedindo a mulher de ter sua autonomia financeira, autonomia relacional, manter seu ciclo de amizades para não ficar tão focada somente naquele relacionamento, além de identificar se o relacionamento é do tipo “montanha russa”, um dia está muito bom e outro muito ruim.

COMO PROCURAR AJUDA?

Durante muitos anos a mulher foi educada para ser a cuidadora. Esse viés inconsciente vem desde a infância, a Bela com o seu amor transforma a Fera em um príncipe encantado, a mulher tem ideia de que com seu cuidado ela poderá salvar o agressor. O homem precisa de ajuda, mas não é só dessa mulher, e sim de ajuda profissional. A violência de gênero tem um caráter de transgeneralidade, ou seja, passa de geração para geração. O menino que vê o pai agredindo a mãe tem o potencial de ser agressivo. A menina que vê a mãe apanhando entende que casamento é isso e pode pensar que é natural sofrer agressões. Precisa um trabalho intenso com profissionais capacitados.

SEGUEM OS CANAIS DE AUXÍLIO À MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA:

CANAL 180 >>  Serviço 24 horas de atendimento à mulher que sofre qualquer tipo de violência. É um serviço disponibilizado pelo Governo Federal que também funciona como orientador para fornecer todas as informações necessárias, indicação do Centro de Referência de Atendimento à Mulher ou uma Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM).

CRAM (Centro de Referência de Atendimento à Mulher) >> Local de orientação sobre a situação que está vivendo, sobre a Lei Maria da Penha e como sair do ciclo da violência, além de suporte e amparo psicossocial.

DELEGACIA ESPECIALIZADA NO ATENDIMENTO À MULHER >> São unidades especializadas da Polícia Civil, que realizam ações de prevenção, proteção e investigação dos crimes de violência doméstica e violência sexual contra as mulheres. São diversos serviços prestados no local: registro de Boletim de Ocorrência, solicitação ao juiz das medidas preventivas, investigação dos crimes, entre outros.

MAPA DO ACOLHIMENTO >> Rede de solidariedade que conecta mulheres que sofrem ou sofreram violência, a psicólogas e advogadas dispostas a ajudá-las de forma voluntária.

SOS MULHER (aplicativo) >> O dispositivo permite que as vítimas de violência doméstica peçam ajuda apertando apenas um botão no celular. Ao acionar a ajuda, o aplicativo localiza a viatura policial mais próxima até o local da ocorrência. A ferramenta é gratuita, disponível no estado de São Paulo e funciona em sistemas Android e iOS. Se você mora fora de São Paulo procure versão do app no seu estado.

PENHAS (aplicativo) >> PenhaS oferece apoio para mulheres em relacionamento abusivos. Nele, mulheres (em situação de violência ou não) podem ter acesso a informação, diálogo sigiloso, apoio, rede de acolhimento e botao de pânico.

 

 

Heloisa Flesch

Formada pela USP em Odontologia, pós-graduanda em Neurociência e Comportamento pela PUCRS, foi coordenadora e dentista voluntária na ONG 'Turma do Bem'. É apaixonada por música, toca piano nas horas vagas e acredita que o melhor da vida está nas relações humanas, no eterno aprendizado e na beleza dos diferentes mundos que cada pessoa carrega.


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