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Bate-Papo ——

Bate-papo: Relações Humanas na Era Digital com Fernanda Furia

Heloisa Flesch

23 de junho de 2021

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Tivemos a honra de bater mais um papo riquíssimo com a fundadora da Playground da Inovação, Fernanda Furia, mestre em psicologia de crianças e adolescentes das relações humanas na era digital.

As tecnologias estão impactando a vida de todos os seres humanos, fazendo com que seja criada uma nova disciplina na psicologia chamada ciberpsicologia. Essa disciplina estuda como os seres humanos são impactados pela internet bem como de que forma eles interagem no meio online, pelos dispositivos aos quais têm acesso. Ela também estuda os efeitos das interações tecnológicas na mente dos indivíduos, e sua interação tanto dentro quanto depois do acesso ao ciberespaço.

Fernanda cita que, atualmente, o aumento dos índices de suicídio e depressão entre os jovens têm um popular motivo: a tecnologia. Mas será que o motivo desses tristes índices é somente o uso de tecnologias?

Ela acredita que estamos negligenciando há muito tempo outras questões fundamentais: inteligência emocional e o valor da primeira infância -  o período dos primeiros anos de vida, em particular os cinco primeiros anos, que são marcados por intensos processos de desenvolvimento que podem ser estimulados de diversas maneiras: interações táteis e o contato olho no olho, por exemplo, auxiliam o desenvolvimento do cérebro, mapeiam diferentes emoções, desenvolvem a linguagem, a visão e etc. A conta é simples. Uma primeira infância com cuidados, amor, estímulo e interação pavimenta o caminho para que a criança aproveite todo seu potencial. Nasce um adulto mais saudável e equilibrado.

Portanto, o perigo ocorre, por exemplo, quando a pessoa que cuida, brinca, interage ou amamenta o bebê fica olhando para o celular ao mesmo tempo. Ela perde esse contato visual, perde oportunidades de estímulos únicos e de interações profundas que são impossíveis de voltar atrás. Será que os adultos conseguem perceber essa desconexão durante a interação com as crianças?

As crianças, por sua vez, estão sendo ensinadas a usar tecnologia de forma muito bacana: criam conteúdo, interagem de diversas maneiras, se relacionam com pessoas do mundo todo, inclusive de uma forma afetiva. Ou seja, a tecnologia tem também seus benefícios. Paradoxalmente, Fernanda vê essas crianças com certa dificuldade emocional e social. Quando elas ficam muito tempo no celular, elas deixam de fazer coisas que também são importantes para seu desenvolvimento: deixam de brincar ao ar livre, deixam de conversar pessoalmente, de fazer atividades manuais, explorar a criatividade e interação social presencial.

O ponto crucial para conseguir fazer essa manutenção é o equilíbrio e lembrar que as crianças são como esponjas, elas copiam as atitudes dos adultos, então a reflexão sobre a rotina de quem cuida é muito importante para abordar essa criança, será que sua rotina está cheia desses aparelhos também?

Nos dias atuais, existem poucas pesquisas relacionando questões emocionais com tecnologia, as tecnologias estão sendo inseridas com uma velocidade que a ciência não consegue acompanhar. Não sabemos ao certo o quanto isso pode afetar a sociabilidade dessas crianças e é nesse ponto que está a delicadeza do assunto. Além disso, a negligência em relação ao mundo emocional é preocupante.

“Num mundo onde se prioriza números e dados, é mais difícil medir as questões emocionais e gestão das emoções, por isso, estamos testemunhando um adoecimento da infância e adolescência. Isso não é só por causa da tecnologia”, cita Fernanda.

Diminuiu o tempo de brincar, diminuiu o tempo de recreio nas escolas, aumentou o consumo de bebidas alcoólicas, os índices de ansiedade, agitação e distúrbios metabólicos, psicológicos e emocionais entre os adolescentes. Existe um excesso de carga nas crianças, muitos deveres de casa, muita ênfase em provas, ênfase no Enem ou vestibular, num mundo onde o acesso ao conteúdo é muito fácil. Com isso as relações humanas ficam em segundo plano.

INTELIGÊNCIA EMOCIONAL DIGITAL

É a capacidade de colaboração, empatia, gestão das emoções, planejamento e criatividade dentro do mundo digital. Como posso colaborar com as pessoas no ambiente de trabalho ou na vida das pessoas com a tecnologia? Como usar a tecnologia de uma forma criativa que faça bem para humanidade?

As mesmas habilidades socioemocionais que temos no mundo real podem ser usadas no mundo digital. Hoje, a tecnologia está presente nas nossas vidas. Essa separação entre vida real e vida virtual vem cada vez mais diminuindo, pois temos uma vida, com presença física e também com presença virtual (online/offline). Ambas compõem nossa vida e nos impactam da mesma forma.

A internet amplifica a natureza humana, se as crianças e adolescentes estão adoecendo, isso é amplificado pela internet. Então como usar a tecnologia para o bem da saúde mental desses jovens? O desafio está em ajudá-los a terem visão crítica, para não ficarem deslumbrados, não serem ingênuos, para criar e usar a tecnologia de uma forma consciente e responsável. Usar as habilidades socioemocionais no mundo virtual é algo fundamental para prevenir problemas no futuro.

A TECNOLOGIA JÁ ESTÁ EM NOSSO MEIO

Além da famosa Siri, Google Assistente ou Alex, existem inúmeros aplicativos e recursos que usam a tecnologia para otimizar nossa rotina e trabalho. Para as crianças não acontece diferente, já existem brinquedos vendidos ao redor do mundo que são dotados de Inteligência Artificial. Eles são conectados à internet, salvam conversas na nuvem e aprendem utilizando dados de interação e algoritmos para se aprimorarem e se personalizarem ao perfil dessa criança.Esse mecanismo se chama computação afetiva: são softwares capazes de ler as emoções humanas e se adequar a elas - treinar a máquina para que fale de um jeito humano. 

Isso levanta vários questionamentos sobre privacidade, ética e da relação de apego com essas máquinas inteligentes. Seu design é feito para encantar. A aparência dessas tecnologias normalmente é infantil então ativa nosso comportamento cuidador, a voz utilizada é feminina que nos remete a relação mãe/bebê. Então são técnicas utilizadas que fazem com que as crianças (e os adultos também) se apeguem a esse objeto.

Alguns brinquedos usam tecnologias muito interessantes que auxiliam imensamente, por exemplo, crianças com autismo, crianças com dificuldade de aprendizado, acompanhantes (ou robôs sociais) para idosos...De fato existem tecnologias que estão gerando resultados importantes e transformando vidas, mas é um pacote de coisas boas que, junto com ele vêm novos desafios que precisam ser estudados e esclarecidos.

Ao mesmo tempo, ocorreu um fato intrigante na Alemanha: a venda de uma boneca com I.A. foi banida porque seus dados foram hackeados, logo as imagens e áudios dessas bonecas foram acessadas por outras pessoas. Tudo isso é um perigo, uma exposição, precisamos ter consciência disso e tentar se informar mais ao adquirir essas tecnologias.

TECNOLOGIA NAS ESCOLAS

As instituições de ensino de diversos lugares no mundo estão inserindo tecnologia nos seus processos. Um país muito avançado no uso dessa ferramenta é o Japão, mas como exemplo brasileiro, Fernanda cita que algumas escolas públicas em Florianópolis já estão sendo implementados robôs em sala de aula que auxiliam as crianças na aprendizagem.

Outros exemplos de escolas totalmente tecnológicas, escolhem não ensinar mais a criança a escrever, priorizam a alfabetização digital justificando que é o que efetivamente essas crianças usarão na vida. Eles entendem que aprender a escrita cursiva é um tempo perdido que não será utilizado pela criança. Algumas tentam o meio termo: ensinam a escrever apenas a letra bastão (letra de forma) e estão abandonando a letra cursiva. E tem escolas que privilegiam as relações humanas e preferem não ter tecnologia na sala de aula. Ao matricular uma criança na escola, é importante fazer esse tipo de pesquisa e entender, além do perfil da escola e as propostas oferecidas, como a tecnologia é inserida nessa escola e se está de acordo com a escolha do responsável por essa criança.

A questão importante que Fernanda levanta é que não há uma integração dos profissionais da engenharia, robótica e da ciência da computação com psicólogos, médicos, educadores e sociólogos para que seja feita uma leitura mais ampla e para que se possa entender o real impacto dessa tecnologia no longo prazo.

“Hoje não dá para ter uma pesquisa longitudinal, ou seja, aquela pesquisa que dura anos para a gente entender o impacto disso… não conseguimos acompanhar a evolução tecnológica. Precisa ter uma agilidade maior de integralidade entre os profissionais para entender quais tecnologias são boas para utilizar em sala de aula.”

Felizmente, existem várias instituições que discutem as habilidades socioemocionais. Esse avanço está em uma fase lenta, porque, como já dito antes, é difícil acompanhar os avanços tecnológicos. Mas as instituições de ensino, como diversas outras áreas institucionais, precisam estar abertas para entender que na educação não basta oferecer apenas conteúdo, dever de casa e prova, precisam entender que disciplina, foco, determinação e uma educação direcionada em projetos com metodologias ativas que façam as crianças botarem a “mão na massa” possam ser desenvolvidas.

É importante, além de dar recursos para o desenvolvimento tecnológico consciente, abrir espaços de reflexão para entender o que é necessário para cada instituição ou para cada pessoa. As ferramentas vão sendo criadas e os problemas vêm depois disso, precisamos focar em tecnologias que favoreçam a saúde mental. Precisamos entender a ética dessas ferramentas e juntar uma equipe multidisciplinar para acompanhá-las e usá-las para o bem da sociedade.

Por conta disso, estão surgindo organizações voltadas à ética dessas tecnologias: acadêmicos, empresários, empreendedores e instituições que estudam esse processo para que não fique uma coisa sem controle. Quem vai proteger e cuidar desses dados que estão sendo gerados?

Mais de 50% da população mundial vive em áreas urbanas, normalmente são cidades hostis para a saúde mental, onde há muito trânsito, violência, barulho, pouca mobilidade saudável, poucos parques e espaços agradáveis. Além do trabalho, dos cuidados gerais e das preocupações da vida, é desgastante pensar que ainda tem que se informar até sobre o brinquedo do filho - é compreensível entender que os adultos estão mais ansiosos do que nunca.

Mas, calma! Há esperança! Pense também que existem medidas ou caminhos que podem ser mais simples do que se imagina: uma boa conversa olho no olho tem um efeito incrível, um bom abraço, uma brincadeira com a criança, levá-la para passear em espaços que são gratuitos…

São medidas simples, mas têm um impacto muito grande para a criança. Se retomarmos passo a passo nossa humanidade, refletindo sobre os pequenos gestos, atitudes simples que nos conectam como seres humanos, pode trazer um aconchego que nos acalme dessa enxurrada de informações.

Heloisa Flesch

Formada pela USP em Odontologia, pós-graduanda em Neurociência e Comportamento pela PUCRS, foi coordenadora e dentista voluntária na ONG 'Turma do Bem'. É apaixonada por música, toca piano nas horas vagas e acredita que o melhor da vida está nas relações humanas, no eterno aprendizado e na beleza dos diferentes mundos que cada pessoa carrega.


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